Bebés calmos demais podem ter problemas

Luana

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Há bebés calmos demais e que quase não dão trabalho. Mas estes comportamentos podem esconder problemas graves, como o autismo. Foi a pensar nestas crianças que o Hospital Dona Estefânia abriu as consultas do bebé silencioso. Pedro Caldeira da Silva, pedopsiquiatra e responsável pela unidade da primeira infância, explica a importância desta avaliação precoce.



Acabaram de lançar uma nova consulta: a do Bebé Silencioso. Como é que surgiu a ideia de se avançar com este projecto?


Essencialmente, a partir de uma preocupação que vamos tendo que é a de vermos crianças muito pequenas com os primeiros sinais daquilo que pode ou não ser um autismo, e pelo facto dos pais nos dizerem muitas vezes: ‘agora, olhando para trás, a criança realmente era muito sossegadinha, não dava trabalho nenhum, era um bocadinho estranha porque não nos olhava, não sorria muito, mas não ligámos, fomos deixando passar’. Muitas vezes o pediatra ou o médico de família não valoriza muito estes sinais e nós temos vindo a ficar com a ideia de que crianças que nos aparecem agora com dois anos e meio ¬- idade que coincide com a altura em que o principal sinal do problema de desenvolvimento surge, que é no aparecimento da fala -, podiam ter tido atenção muito mais cedo. A nossa intenção é actuar junto desses bebés no primeiro ano de vida. Andamos à procura de sensibilizar as pessoas para que haja uma intervenção o mais precoce possível.

Os pais têm, portanto, de estar atentos aos sinais.
Obviamente que aqui há outro aspecto, que é corrermos o risco de alarmar pessoas para sinais que afinal não vêm a ser nada. Mas com a experiência que vamos tendo na intervenção em algumas crianças, em que há diferenças entre uma intervenção no primeiro ano de vida versus uma intervenção que já é precoce mas que começa aos dois anos e meio, acho que vale a pena começar a sensibilizar as pessoas para isso.

E as consultas já estão abertas?
Sim. Quem nos quiser procurar, já pode fazê-lo. A estrutura está toda montada para darmos resposta.

E que resposta é essa?
Essencialmente uma avaliação cuidada. É deixarmos um bocadinho aquele paradigma que é habitual nos pediatras de que os bebés são todos muito diferentes, que as coisas acabam por ir ao sítio, que o melhor é esperar, para fazermos uma avaliação mais cuidada assim que começam as preocupações.

E a partir de que idade é que essas preocupações são visíveis?
No segundo semestre do primeiro ano de vida, portanto, antes dos 12 meses.

A que sinais é que os pais devem estar alerta?
São sobretudo sinais negativos. Não são aqueles bebés que fazem muito barulho e que incomodam muito. São, pelo contrário, bebés que estão muito sossegados, respondem muito pouco às solicitações, são pouco interactivos… aqueles que não dão trabalho. Nos tempos que correm, são bebés abençoados, não nos dão trabalho, deixam-nos estar ali, não nos preocupamos, e quando vamos a ver já é tarde.

Estamos portanto a falar de crianças apáticas.
Sim, e não só. Há outros sinais. Um bebé que sorri pouco, que responde pouco. Por exemplo, um bebé que não estende os braços em antecipação para ser pegado ao colo, que não se interessa por partilhar descobertas, que tem uma anímica pobre…

E como se chegou ao nome desta consulta?
Fizemos vários brain stormings e chegámos à conclusão de que «bebé silencioso» era um nome que chamava a atenção e sem qualquer ligação a um diagnóstico.

Quem é que pode vir a estas consultas?
Qualquer pessoa.

Estas são consultas gratuitas, tal como acontece na Consulta do Bebé Irritável, que criaram há seis anos. Qual é o balanço desse projecto?
Essa ideia vinha também no mesmo sentido, o de chamar a atenção para qualquer coisa em que poderíamos ajudar. Surpreendentemente, não vieram a revelar aquilo que estávamos à espera, porque muitas diferenças individuais nos bebés vieram demonstrar muita depressão nas mães… e também nos pais. Foi curioso, porque não era propriamente isso que estávamos a contar.

Tiveram então de actuar também junto dos pais.
Sim, obrigou-nos a organizar a intervenção também mais ao nível dos pais. Não apanhámos falsos casos. Houve situações em que bastou o aconselhamento e em que as coisas se resolveram rapidamente, mas houve uma percentagem grande, mais de 40 por cento, em que havia um quadro de depressão da mãe que explicava o comportamento do bebé.

Ou seja, não havia propriamente uma patologia na criança.
Exacto. Não havia patologia, mas os sinais que o bebé dava era de que alguma coisa não estava bem, e não estava… mas com a mãe. Houve depois algumas dificuldades regulatórias ou depressão sensorial nos bebés, problemas que se resolvem. Actuando, resolve-se.

Voltando às novas consultas, que tipo de clínicos as integram?
Pedopsiquiatras, enfermeiras de saúde mental e psicólogos.

Um bebé que apresenta os sinais que antes referiu encontra-se sempre no espectro do autismo?
Não. Esse é um ponto de partida. Esses são os casos que são mais preocupantes e alarmam as pessoas, mas pode não ser nada. O autismo sempre foi considerado como uma doença que não se cura, mas começa a haver a convicção de que uma intervenção muito precoce pode alterar a evolução do autismo e é isso que nos interessa.

E estamos a falar de que tipo de intervenção?
Estamos a falar de terapias que começam por ser relacionais. São psicológicas. Entre médico, bebé e família.

Dê-nos um exemplo.
Se o bebé tem um evitamento grave do olhar, e não olha, o meu trabalho é tentar perceber como faço o bebé olhar para mim. Ou se não aponta, ou se não estica os braços, ou se não se envolve numa relação emocional… O nosso trabalho é tentar descobrir como é que se põe o bebé a dominar estes passos fundamentais do desenvolvimento humano.

E consegue-se?
Sim, consegue-se. A esperança que temos é a de que, pelo menos nalguns casos, consigamos reverter ou diminuir muito a incapacidade que a perturbação do espectro do autismo provoca.

Estamos sempre a falar de autismo ou há outras doenças que possam explicar estes sinais?
Há uma série de problemas que encaixam neste quadro. De tal maneira que nem falamos em autismo nestas idades. Falamos em perturbações da relação da comunicação.

Quando é que se consegue confirmar esse diagnóstico?
Mais tarde. E o que nos interessa é que nem se chegue a confirmar esse diagnóstico. Mas há depois um conjunto de outros quadros, nomeadamente de doença física, em que os bebés estão mais apáticos. Os quadros de depressão nos bebés podem aparecer também desta maneira, apatia com um certo atraso no desenvolvimento, pouca actividade, pouco interesse numa relação.

Há estudos que provem que uma actuação precoce pode ter estes efeitos?

Não há. Há sim estudos gerais que provam que agir cedo é sempre melhor. E depois há a experiência com os casos que vão aparecendo aqui na Unidade.

E a partir desses casos decidiram dar mais atenção a estas crianças?
Exacto. O que queremos é dizer às pessoas para virem se acharem que alguma coisa não está bem. Não vale a pena esperar. Apesar de, com todo o respeito, os pediatras terem os seus motivos para aconselharem a esperar, porque vêem muitas crianças, têm uma noção mais alargada da normalidade, a nossa mensagem é de que não vamos fazer isso, vamos ver e logo se vê se é preciso intervir ou não.

Essas intervenções são feitas aqui na unidade ou faz-se o reencaminham para outros locais?

Vamos tentar fazer tudo aqui, depende da procura que tivermos. As avaliações e as primeiras actuações serão sempre feitas por nós. O que iremos fazer é ir informando os técnicos lá fora. Se for caso disso, teremos depois de construir uma rede de pessoas capazes de fazer essa intervenção noutros locais.

Quanto tempo de espera haverá para a consulta?
O mesmo que as outras. Vamos tentar que se façam dentro de uma semana desde o primeiro contacto.

Recorre-se a medicação para estes tratamentos?
Não tem cabimento nesta altura. São crianças muito pequenas... volto a reforçar que o risco desta nossa ideia é o de estarmos a alarmar pessoas que têm bebés que podem ser apenas mais calminhos, mas o que entendemos é que vale a pena correr esse risco.

Quais são as principais preocupações destes pais?
O principal desejo é que não seja nada. Convencem-se de que é só feitio, que é uma coisa que vai passar. O nosso desejo também é esse. Obviamente que se as coisas se encaminham para um quadro de autismo, há outras preocupações, porque há graus que são muito incapacitantes e que afectam muito a vida das famílias. E a palavra autismo está muito associada a estes graus mais graves... para além de ser cara.

No tratamento?
Sim. O Estado demite-se muito desta responsabilidade e as famílias têm de pagar estes tratamentos.

Para quadros clínicos mais leves, até que idade considera que é possível fazer regredir este processo?
Não sou capaz de pôr um limite. Em média, as crianças chegam à unidade aos dois anos e meio. Não se pode dizer que seja tarde para intervir, achamos é que podemos fazê-lo mais cedo. E temos muitos bons resultados em algumas crianças. Estamos a falar em adiantar o diagnóstico um ano, e se isto é possível, está na altura de agirmos. Mesmo assim, a média de chegada aqui de dois anos e meio, do ponto de vista internacional, é muito boa. Se conseguirmos que a doença não se instale em quatro ou cinco crianças, cujos sinais estão a aparecer, isso é óptimo.

Depois da criação da consulta do Bebé Irritável e agora para o Bebé Silencioso, que outros projectos tem pensados para a Unidade da Primeira Infância?
Estamos a actuar também na área da depressão dos pais homens. Uma ideia que surgiu na sequência do trabalho da pedopsiquiatra Paula Vilariça e para o qual contamos com um subsídio de um programa do Administração Central do Sistema de Saúde, que é um projecto inovador em saúde mental. Estamos a fazer um estudo de prospecção sobre a prevalência da depressão nos pais homens e que impacto é que isso pode ter nas crianças pequenas.

Os casos são cada vez mais frequentes?
Na literatura já começa a aparecer como factor importante. Tem-se estado a dar importância às mães, muito justamente, mas também temos que começar a dar atenção aos homens. E os homens têm mecanismos diferentes de lidar com a depressão. Neles, a doença passa mais despercebida, queixam-se menos, pedem menos ajuda. E já há alguns estudos que mostram a ligação entre a depressão dos pais e o desenvolvimento do quadro de perturbação do comportamento no bebé.

Os bebés sentem estes estados depressivos?
Obviamente. Os bebés sentem directamente, sentem através da mãe, sentem pelo equilíbrio ou desequilíbrio familiar, pela falta de limites, pela falta de investimento, o afastamento do pai... E portanto será outra área onde iremos apostar.




Fique atento se o seu bebé...

Sorri pouco;
Evita contacto visual;
É apático;
É pouco interactivo;
Não manifesta desejo de ser pegado ao colo (não estende os braços);
Faz vocalizações muito pobres ou inexistentes;
Tem falta de interesse pela relação com os outros;
Não usa o dedo para apontar no sentido de partilhar interesse ou mostrar alguma coisa.




Quem, onde e como?


As marcações para as Consultas do Bebé Silencioso podem ser feitas por qualquer pessoa que identifique no seu bebé alguns dos sinais de alerta. As consultas são gratuitas, conduzidas por pedopsiquiatras e realizam-se na Unidade da Primeira Infância do Hospital D. Estefânia que fica localizada na Rua 17 do Bairro da Encarnação, nos Olivais. Marcações para o telefone 21 851 05 05
 
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