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Cancelamento de voo. Greve sem aviso prévio

santos2206

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[h=2]Uma «greve sem aviso prévio» do pessoal de bordo em resposta ao anúncio surpresa de uma reestruturação não constitui uma «circunstância extraordinária» que permita à companhia aérea eximir-se da sua obrigação de indemnização em caso de cancelamento ou de atraso considerável de um voo
[/h]JusJornal, Editora Wolters Kluwer

JusNet 77/2018


Os riscos decorrentes das consequências sociais que acompanham essas medidas devem ser considerados inerentes ao exercício normal da atividade da companhia aérea.




Comentário ao Acórdão TJUE de 17 de abril de 2018, nos processos apensos C-195/17, C-197/17 a C 203/17, C-226/17, C-228/17, C-254/17, C-274/17, C-275/17, C-278/17 a C-286/17 e C-290/17 a C-292/17
Em 30 de setembro de 2016, a direção da companhia aérea alemã TUIfly anunciou, de surpresa, ao seu pessoal um plano de reestruturação da empresa. Este anúncio levou a que, durante cerca de uma semana, em resposta a um apelo lançado pelos próprios trabalhadores, o pessoal de bordo tivesse apresentado baixa por doença. Entre 1 e 10 de outubro de 2016, a taxa de absentismo por doença, habitualmente da ordem dos 10%, chegou aos 89% do pessoal técnico de navegação e aos 62% do pessoal de cabine. Na noite de 7 de outubro de 2016, a direção da TUIfly informou o seu pessoal de que tinha chegado a acordo com os seus representantes.

Devido a esta «greve sem aviso prévio», vários voos da TUIfly foram cancelados ou sofreram um atraso à chegada de três horas ou mais. Todavia, considerando que se tratava de «circunstâncias extraordinárias» na aceção do regulamento da União sobre os direitos dos passageiros aéreos (1) , a TUIfly recusou pagar as indemnizações previstas nesse regulamento aos passageiros afetados (concretamente, 250, 400 ou 600 euros em função da distância). O Amtsgericht Hannover e o Amtsgericht Düsseldorf (Tribunais de Primeira Instância de Hanôver e de Dusseldórfia, Alemanha), chamados a conhecer de ações que se destinavam a obter o pagamento destas indemnizações, perguntaram ao Tribunal de Justiça se a ausência espontânea de uma parte significativa do pessoal de bordo, sob a forma de «greve sem aviso prévio», como a que está em causa nestes processos, é abrangida pelo conceito de «circunstâncias extraordinárias», podendo a companhia aérea eximir-se da sua obrigação de indemnização.
No seu acórdão de hoje, o Tribunal de Justiça dá resposta negativa a esta questão: a ausência espontânea de uma parte significativa do pessoal de bordo («greve sem aviso prévio», como a que está em causa), que teve origem no anúncio surpresa da reestruturação da empresa, por parte da transportadora aérea operadora, em resposta a um apelo lançado, não pelos representantes dos trabalhadores da empresa mas, espontaneamente, pelos próprios trabalhadores que apresentaram baixa por doença, não se enquadra no conceito de «circunstâncias extraordinárias».
O Tribunal de Justiça recorda que o regulamento prevê dois requisitos cumulativos para que um evento possa ser qualificado de «circunstâncias extraordinárias»: 1) este não deve, em razão da sua natureza ou da sua origem, ser inerente ao exercício normal da atividade da companhia aérea e 2) deve escapar ao controlo efetivo desta. O simples facto de um considerando do regulamento referir que tais circunstâncias se podem verificar, em particular, em caso de greve não significa que uma greve seja necessária e automaticamente uma causa de isenção da obrigação de indemnizar. Pelo contrário, importa apreciar, casuisticamente, se os dois requisitos acima referidos estão preenchidos.
No caso vertente, o Tribunal de Justiça declara que estes dois requisitos não estão preenchidos.
Com efeito, em primeiro lugar, as reestruturações e reorganizações fazem parte das medidas normais de gestão das empresas. Assim, no exercício da sua atividade, é possível as companhias aéreas serem habitualmente confrontadas com divergências ou mesmo conflitos com os membros do seu pessoal ou com parte dele. Por conseguinte, numa situação como a que se verificou na TUIfly no final de setembro/início de outubro de 2016, os riscos decorrentes das consequências sociais aliadas a essas medidas devem ser considerados inerentes ao exercício normal da atividade da transportadora aérea em causa.
Em segundo lugar, não se pode considerar que a «greve sem aviso prévio» em causa no caso vertente escapa ao controlo efetivo da TUIfly. Com efeito, não só esta «greve sem aviso prévio» teve origem numa decisão da TUIfly como, apesar da elevada taxa de absentismo, terminou na sequência do acordo que a TUIfly celebrou com os representantes dos trabalhadores em 7 de outubro de 2016.
O Tribunal de Justiça observa ainda que o facto de o movimento social em causa dever ser qualificado de «greve sem aviso prévio», na aceção da legislação social alemã aplicável, por não ter sido oficialmente iniciado por um sindicato, é irrelevante para efeitos de apreciação do conceito de «circunstâncias extraordinárias».

Com efeito, distinguir entre greves legais e ilegais, com base no direito nacional aplicável, para determinar se as mesmas devem ser qualificadas de «circunstâncias extraordinárias» na aceção do regulamento sobre os direitos dos passageiros aéreos teria como consequência fazer depender o direito a indemnização dos passageiros da legislação social própria de cada Estado-Membro, o que prejudicaria os objetivos deste regulamento que consistem em garantir um elevado nível de proteção dos passageiros e condições equivalentes de exercício das atividades de transportadora aérea no território da União.

(17-4-2018 | curia.europa.eu)


(1)
Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91 (JO 2004, L 46, p. 1).
 
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