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Cantador da solidão

florindo

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Guilherme Andrade jogou à bola em Padras Rubras e ficou Garrincha,guiou táxis no Porto, sentiu-se perdido e ficou poeta


Leva-nos à casa que construiu clandestinamente, com as próprias mãos, ocultando a obra em crescimento sob um barracão de madeira. "Fui o arquitecto e fui o construtor", diz. E é poeta com obra publicada, em parte a expensas próprias. Uma literatura - que o é - assente na estacaria depressiva da solidão ou do derrotismo. Mas que se torna por isso vitoriosa. Chama-se Guilherme Andrade, foi taxista e teve outros ofícios. Terminou a carreira amadora de jogador da bola sovando um árbitro. Desses tempos ficou a alcunha que ama: Garrincha.

"Faço o que se chama vida de sozinho", explica, caminhando pelo trilho de terra que leva a casa, "ninho para as crias" que ergueu e onde viveu alguns dos maiores desgostos, excepto o primeiro: "Infelizmente, àquela que me gerou e pôs no mundo não cheguei a conhecer. A vida tirou-me a minha mãe, sem eu ter feito nada".

Dos títulos dos dois livros que assina transborda essa negritude, quase à medida dos romântico oitocentistas que a quarta classe de há quase sete décadas lhe esconde. "Pensar na solidão", livro de versos lançado este mês, e "Quando a vida é uma derrota", volume autobiográfico nascido há alguns anos, constituem aquilo a que poderemos chamar "a obra" deste homem que, na companhia da esferográfica e de grandes cadernos de capa preta, busca inspiração na margem do rio Leça, em Alfena, onde o destino finalmente o deixou e que dá nome a uma cabra de estimação, a par da ovelha Chorona: "É muito arisca, mas anda sempre atrás de mim".

Nascido, como quase toda a gente, na "terra mais linda do mundo" - no caso, Fermil de Basto -, há quase 79 anos, conta muitas histórias de "fome, frio e miséria". Da ida para o Porto mal terminou a instrução primária, para trabalhar como marçano, à tropa, onde tirou a carta de condução que acabou por ser ferramenta de uma vida, aos tempos em que dormiu em bancos da Cordoaria por recusar a inscrição na Legião Portuguesa ("os polícias chegavam e davam-nos logo com o cassetete por estar ali a dormir").

Odiou Salazar, admirou Vasco Gonçalves. Não sou comunista, mas é neles que voto. E diz já ter sido por isso penalizado, criticando quem não sabe ver de onde nascem as ideias de cada um: "Repara bem, ó sabichão/ Em todo o Zé que vai na rua./ Não julgues, por seres o patrão,/ Que a dignidade é só tua.// A dele é mais verdadeira,/ A desse anónimo senhor,/ Porque é ele quem rega a jeira/ Com a água do seu suor".

JN
 
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