Crianças devem aprender línguas?!

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Invocando a receptividade e a espontaneidade
das crianças, o linguista Claude Hagège recomenda
o ensino precoce de línguas na escola, a partir
dos cinco anos de idade. A melhor altura para
começar a aprender uma segunda língua.

Por Dalila Kerchouche


Como podem os pais transmitir o gosto pela aprendizagem de outras línguas?
Viajando com os filhos: é a melhor forma de os tornar receptivos a sonoridades a que não estão habituados. Devem encorajá-los a ter correspondentes estrangeiros, por carta ou por correio electrónico. E não devem hesitar em receber em sua casa jovens de outros países. O intercâmbio linguístico oferece uma vantagem preciosa: mesmo com frases rudimentares, proporciona de imediato o prazer da conversação e alicerça a aprendizagem na vida quotidiana. Finalmente, a gastronomia, o cinema, a música, a arte, em suma, todos os tipos de abertura à diversidade cultural despertam o desejo de aprender línguas. O ensino precoce é a chave da educação bilingue.

Deve começar-se no berço?

Idealmente, sim. São cada vez mais numerosos os casais bilingues que ensinam as duas línguas aos filhos. Desde o nascimento, uma mãe francesa, por exemplo, fala com o filho na sua língua, e o pai, inglês, na sua. Estas são as condições de aprendizagem mais favoráveis, pois os ouvidos do bebé estão ávidos de sons novos. Mas nem todas as crianças têm a sorte de nascer numa família bilingue. Para essas, os estudos científicos demonstram que a melhor idade para aprender uma segunda língua é por volta dos cinco anos.

E porquê nessa idade?
Porque a criança possui capacidades auditivas e fonéticas espantosas. É extremamente receptiva às sonoridades mais diversas e pode reproduzi-las muito mais facilmente do que um adulto. É capaz de dobrar os erres, de articular os agás, de pronunciar consonantes interdentais (com a língua entre os dentes) como nas palavras inglesas the ou thief. Por exemplo, uma menina americana de cinco anos que está a aprender francês perde completamente o seu sotaque de origem em apenas três meses. Ora, um adulto é incapaz disso. Por volta dos 11 anos, a criança perde essa faculdade, pois as suas sinapses começam a esclerosar. Não se trata de uma patologia, mas de um fenómeno natural. O seu ouvido passa então a filtrar as sonoridades estrangeiras: dizemos que ela se torna “nacional”. Esse período de “fossilização” corresponde justamente à idade de entrada no sexto ano, no momento em que, na escola, é introduzido o ensino de uma língua estrangeira.

Mas em relação, por exemplo, aos alunos franceses que estão a descobrir como se escreve o francês, aprenderem espanhol, não correm o risco de ficar confusos?
Não, porque nessa idade a criança já adquiriu as bases do francês. Já não comete erros de pronúncia. A morfologia, a sintaxe e a fonética estão inculcadas. Consequen-temente, não existe nenhum risco de contaminação de uma língua por outra.

Afirma que a puberdade constitui igualmente um obstáculo…
Sim, porque é a idade em que se reforçam as inibições sociais. A alegre espontaneidade da criança, o seu gosto pelas manipulações verbais e a sua capacidade lúdica para aprender dão lugar, no adolescente, à insegurança e à preocupação com a opinião dos outros e, portanto, ao medo de errar. O erro é temido pelo ridículo que produz, em vez de ser entendido como proveitoso, pois apela à correcção. Eis a razão por que a aprendizagem precoce é uma necessidade.


"Sensibilizar os jovens para a diversidade linguística proporcionar-lhes-á uma enorme abertura aos outros"


São cada vez mais os colégios que propõem o ensino de duas línguas europeias em vez de uma. É uma oportunidade ou uma armadilha?
É verdade que há pais que ficam inquietos, mas trata-se de um preconceito. Dantes, temia-se que a aprendizagem precoce provocasse problemas mentais às crianças. O cérebro infantil é maleável e receptivo à aquisição de conhecimentos. No sistema escolar actual, as capacidades intelectuais dos alunos são subaproveitadas.

Quando uma turma tem mais de 30 alunos, ainda é possível aprender correctamente uma língua?
É um número excessivo, não por causa da gramática, que se aprende facilmente com um trabalho sério, mas porque a fonética e a aquisição dos sons, que são mais difíceis, requerem mais atenção por parte do professor. A aprendizagem seria muito mais fácil em turmas com 10 a 15 alunos: o docente poderia verificar a aquisição da pronúncia aluno a aluno, que é a única garantia de um bom ensino.

Há algum país da Europa que possa servir-nos de modelo?
Não. É verdade que a Noruega, a Dinamarca, a Suécia e a Holanda estão muito avançadas no ensino do inglês, que é introduzido logo no início do ensino básico, ecom recurso a muitos meios. Aos sete ou oito anos, as crianças já vêem filmes na versão original e sem legendas. O método – isto é, a aprendizagem precoce – é eficaz, mas aí coloca-se o problema do domínio do inglês.

Porquê?
Porque, através da música, dos jogos de vídeo e do cinema, a cultura anglo-saxónica já é omnipresente no quotidiano das nossas crianças. Esta supremacia do idioma mais difundido no mundo reflecte o poderio económico dos Estados Unidos. Contudo, se a escola não fornecer um contrapeso para restabelecer um certo equilíbrio, o inglês vai certamente aumentar ainda mais o seu predomínio. A prazo, pode vir a eliminar o ensino de outras línguas que não beneficiam do mesmo dinamismo. Não podemos esquecer-nos de que as línguas são frágeis: das cinco mil que são faladas no mundo inteiro, há 25 que desaparecem por ano.

O que preconiza então?
As famílias deveriam poder optar por duas línguas entre aquelas que, na Europa – excluindo o inglês –, têm maior audiência internacional: o castelhano, o alemão, o italiano ou o português. Talvez isto seja utópico, e não ignoro que a falta de meios é enorme. Mas trata-se de uma grande aposta na construção europeia e na defesa da diversidade cultural.

É um paladino do ensino de línguas mortas. Como torná-las mais atractivas?

É preciso ver que o latim e o grego reforçam, na criança, o conhecimento da sua própria língua. E não há uma única língua na Europa que não tenha sofrido a sua influência. Não é por acaso que a maioria dos nossos vizinhos (a Holanda, a Ale­manha, a Itália ou a Bélgica) mantém resolutamente o ensino do latim nas escolas.

Fala cerca de 50 línguas. Essa “ginástica” facilita a aprendizagem?
Não se trata apenas de uma questão de treino mental. Se a gramática, isto é, a ordem das palavras, varia de uma língua para outra, as estruturas linguísticas são muito parecidas. Todos os idiomas do mundo (que são cerca de cinco mil) possuem nomes, verbos, orações subordinadas (começando por palavras como “que”, “quando”, etc.) e advérbios. Esses elementos são universais, e esta proximidade entre as línguas facilita a aprendizagem.

Com a globalização, o futuro dos nossos filhos será determinado pelos seus conhecimentos de línguas?
Sem dúvida. Vai ser preciso ensinar-lhes chinês ou árabe, pois irão ter, provavelmente, relações profissionais ou pessoais com habitantes dessas regiões do mundo. Uma língua é também uma determinada forma de sentir, imaginar e pensar. Sensibilizar os jovens para a diversidade linguística proporcionar-lhes-á uma enorme abertura aos outros. Devemos ter mais consciência disso.
 
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