Informação E quando a criança não gosta de comer? É defeito ou feitio?

Lordelo

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Entre os grandes desafios dos pais relativamente à primeira infância, os referentes ao comportamento alimentar figuram no 'topo da tabela'. De facto, as dificuldades no comportamento alimentar têm elevada prevalência na população geral, na primeira infância, sobretudo até aos quatro anos de idade, diminuindo a partir daí, o que pode ser uma ótima notícia para os pais angustiados com a resistência em comer das crianças mais pequenas.






  • Disfarçar alimentos saudáveis nas comidas preferidas;
  • Negociar (e negociar, e negociar….);
  • Pressionar para comer;
  • Dar comida como recompensa ('se comeres a sopa dou-te um gelado');
  • Distrair para comer (com o telemóvel, por exemplo);
  • Preparar refeições diferentes para a criança (sempre vão melhor uns nuggets ou uma massinha).

No entanto, este tipo de estratégias irá:


  • Aumentar o aporte calórico;
  • Limitar experiências alimentares;
  • Reforçar a noção de que os alimentos saudáveis não dão prazer (a criança percebe que se tem que ser subornada para comer a sopa é porque a sopa não é boa);
  • Reduzir prazer com a comida;
  • Diminuir o reconhecimento da fome e da saciedade.

Notícias ao Minuto
Micaela Guardiano, pediatra do neurodesenvolvimento do Instituto CUF Porto.© Instituto CUF Porto


Desta forma, aquilo que poderia ser uma fase normativa no desenvolvimento da criança pequena, pode persistir no tempo, por estar a ser reforçado por práticas pedagógicas menos adequadas. É inclusivamente reconhecido que pais mais ansiosos tendem a ter, mais frequentemente e durante mais tempo, crianças com dificuldades no comportamento alimentar.





Interessa, sem dúvida, distinguir entre comportamento alimentar perturbado na infância e perturbação do comportamento alimentar:


  • Comportamento alimentar perturbado (CAP) na infância: a ingestão de alimentos abaixo do desejável, mas sem prejuízo do crescimento (denominados de 'picky eaters' no termo inglês). Tem uma prevalência até 45% nas crianças em geral (pico de incidência entre um-três anos).

Crianças com CAP apresentam um comportamento tipicamente normativo fora dos períodos de refeição, mas às refeições ocorrem comportamentos de birra, oposição e evitamento, morosidade no consumo da refeição, fuga do local da refeição, entre outros.


  • Perturbação do comportamento alimentar (PCA): perturbação persistente na alimentação ou no comportamento relacionado à alimentação que resulta no consumo ou na absorção alterada de alimentos e que compromete significativamente a saúde física ou o funcionamento psicossocial.

Dentro das PCA, de acordo com o DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), que faz a classificação das doenças mentais, encontramos a Perturbação do comportamento alimentar evitante/restritivo (ARFID) - que é a seletividade alimentar grave ao ponto de culminar em défices nutricionais com uma prevalência estimada de 3% na população geral.





Crianças e adolescentes com esta perturbação apresentam sinais de alarme em termos de comportamento alimentar que podem incluir recusa súbita em ingerir determinados alimentos, receio de vomitar ou engasgar, falta de apetite sem motivo aparente, morosidade no consumo da refeição, dificuldade em ingerir refeições com familiares ou amigos, ausência de interesse nos alimentos e ansiedade. Neste casos podem ocorrer défices nutricionais graves e falência em ganhar peso.


Em ambas as condições, a etiologia é desconhecida. Sabe-se apenas que são mais prevalentes em crianças ou adolescentes com perturbação do neurodesenvolvimento como é o caso das Perturbações do Espetro do Autismo ou Perturbação de Hiperatividade-défice de atenção.


De realçar que mesmo o CAP se se mantiver em idade escolar, mais provavelmente se associará a uma perturbação do neurodesenvolvimento. A maioria das crianças com CAP são normativas, pelo que não necessitam de tratamento específico. A abordagem baseia-se essencialmente em orientar os cuidadores por forma a diminuir a sua ansiedade. O ARFID exige uma abordagem multimodal que poderá incluir terapia cognitivo- comportamental, suplementos alimentares, intubação nasogástrica, medidas farmacológicas e tratamento de comorbilidades.





Será sempre recomendado, como abordagens saudáveis em relação ao comportamento alimentar das crianças:


  • Não introduzir muitos alimentos novos em simultâneo ou demasiado rápido;
  • Começar por servir os alimentos novos em pequenas quantidades;
  • Combinar alimentos novos com outros conhecidos e de que a criança goste;
  • Ter paciência e continuar a oferecer o alimento que a criança rejeitou;
  • Não pressionar a criança para comer;
  • Não insistir na regra do 'prato limpo';
  • Fazer das refeições momentos tranquilos e divertidos;
  • Não usar doces como recompensas e legumes como obrigação ou punição;
  • Oferecer alimentos saudáveis ou algo que não comida, como recompensas;
  • Ensinar pelo exemplo e partilhar refeições com a criança;
  • Permitir escolher entre dois alimentos saudáveis;
  • Envolver a criança pequena na preparação das refeições;
  • Ser criativo na apresentação das refeições;
  • Incentivar a autonomia da criança pequena, permitindo que se suje e explore livremente a comida.

Que possam ser assim as vossas refeições em família: momentos de partilha, leves, talvez barulhentos, mas lidos por todos como saborosos (em todos os sentidos)!

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