Engenharia genética desafia ciência, sociedade e política

Grunge

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Ago 29, 2007
Mensagens
5,124
Gostos Recebidos
0
Engenharia genética desafia ciência, sociedade e política

Foi em 17 de Agosto de 2007. Um grupo de manifestantes irrompeu por uma propriedade privada no concelho de Silves e destruiu um hectare de milho transgénico, parte da primeira plantação de OGM's no Algarve. De repente, toda a gente em Portugal começou a falar de organismos geneticamente manipulados, muitas vezes sem perceber o que é verdade e o que não é, explica Reinhard Naumann, representante da Fundação Friedrich Ebert em Lisboa.

Quase um ano depois de os transgénicos terem entrado na gíria popular, a instituição organizou uma conferência intitulada "Os Desafios da Engenharia Genética" para fazer o balanço da situação e tentar pôr em diálogo ciência, sociedade e política. O encontro decorreu ontem à porta aberta no Instituto Goethe, no Campo Mártires da Pátria, em Lisboa.


O que é a engenharia genética, quais os objectivos, potencialidades e implicações foram o mote do encontro, que tinha por objectivo esclarecer alguns dos equívocos que acabam de passar na informação que chega às pessoas, defendeu Naumann no discurso de abertura.

Em tom informal e numa sala pouco cheia, os oradores convidados, Stpehan Albrecht, da Universidade de Hamburgo, Henk van den Belt, da Universidade de Waneningen, Margaridada Oliveira, da Universidade de Lisboa e a deputada Maria de Belém Roseira foram discorrendo a história e "estado da arte" da engenharia genética no mundo e em Portugal.

Há uma coisa que fica clara desde o início: a engenharia genética não é nada de novo e, embora tenha sido "descoberta" há 80 anos, existe desde que existem plantas e bactérias, explicam os intervenientes. Importa então distinguir entre melhoramento de plantas e transformação genética, ainda que a terminologia utilizada nem sempre seja universal.

O melhoramento de plantas começou 7000 anos A.C.

Margarida Oliveira, especialista em Engenharia genética da UL, explica: "O melhoramento de plantas é qualquer modificação feita pelo homem, para proveito do homem". Assim sendo, este melhoramento começou 7000 anos A.C., com a selecção de cereais, seguindo-se a partir do ano 100 A.C, com os Romanos, o início da clonagem com as técnicas de enxertaria e estacaria.

No final do século XVII, descobriu-se que as plantas têm reprodução sexual o que permitiu o melhoramento dirigido e, já no século XX, surgem novas tecnologias como a mutagénese – que induz aleatoriamente mutações no genoma, seleccionando-se aquelas que podem vir a ser úteis, a descoberta das capacidades da totipotência – permite regenerar a planta a partir de uma parte, ou a tecnologia do DNA recombinante, que permite pegar no DNA, cortá-lo e obter novas características que depois é possível expressar no indivíduo.

Apesar do surgimento de novas tecnologias, e de uma nova agricultura que, acreditam os oradores, contribui para a segurança alimentar sustentada, os transgénicos referem-se apenas a quatro culturas a nível mundial: soja, milho, algodão e colza – espécies que são melhoradas em dois aspectos, a tolerância a herbicidas e a resistência a insectos.

Segundo Margarida Oliveira, a agricultura sustentada, que tem muito a beneficiar com os transgénicos, passa pela informação, precisão na selecção de colheitas e no emprego da biotecnologia. De acordo com a investigadora, as principais biotecnologias envolvidas são a cultura in vitro, ou seja, num espaço confinado onde não entram microrganismos e é por isso possível controlar a totipotência, e a análise genómica, que permite saber o código genético do indivíduo, sendo este o primeiro passo da engenharia genética.

Se pode apresentar tantas mais-valias, porque é que só existem quatro culturas geneticamente modificadas? Além de algum preço para o ambiente, a estratégia é sobretudo atraente para melhorar as plantas de elite, justifica Margarida Oliveira.

Segundo a investigadora, algumas das situações resolvidas nos OGM's são o aumento da resistência a doenças e a situações de stress abiótico (frio, calor, falta de água), uma melhoria da taxa de crescimento, uma diminuição dos alergénicos, melhoria das capacidades industriais ou propriedades nutricionais, possibilidade de produzir compostos de interesse farmacêutico e a biofortificação – nomeadamente com ferro, sendo que a anemia férrica atinge 30 por cento da população mundial.

Na plateia, algumas vozes insurgir-se-iam contra estes argumentos, questionando como é que se protege a biodiversidade envolvente ou como é que se tem a certeza de que os transgénicos não fazem mal.

Não há evidência de efeitos negativos provocados por transgénicos

"Não percebo como é que o movimento ambientalista não entende que temos a obrigação moral de substituir as tecnologias que usamos por outras melhores", ripostou Margarida Oliveira. "Tornar as plantas comestíveis aumenta a sua valorabilidade. Não há um único relatório fidedigno que reporte algum efeito negativo dos transgénicos", acrescentou.

Para a investigadora, embora os obstáculos transcendam muitas vezes os movimentos ambientalistas, é triste que se tente impedir o avanço do conhecimento, que demora anos a produzir, com boatos que se criam em poucos minutos.

Stephan Albrecht, especialista alemão no impacto das tecnologias na sociedade, sublinhou que apesar das consequências para o ambiente deste tipo de agricultura – como a destruição dos solos, o favorecimento do efeito do estudo e o aumento das emissões, o problema que pode levantar é sobretudo social e económico.

"Os grandes produtores destas plantas e herbicidas são poucos, há uma Monsanto nos Estados Unidos, há outras mais pequenas na Alemanha, mas o facto de haver poucas empresas a actuar a nível internacional pode provocar uma dependência nos pequenos produtores", disse o investigador da Universidade de Hamburgo.

"Relativamente à alteração das plantas, devemos ter a consciência de que a humanidade vive do funcionamento dos solos e que é algo que na nossa civilização técnica muitas vezes esquecemos. Sem solo fértil e saudável não podemos sobreviver", acrescentou.

Para Reinhard Naumann, organizador da conferência, a importância do impacto destas tecnologias na sociedade deve fazer parte do debate político em todos os grupos parlamentares, daí o convite de uma deputada portuguesa, Maria de Belém Roseira, para a sessão da manhã e de Elvira Drobinski-Weiss, do Bundestag alemão, para intervir durante a tarde.

Questionada sobre a legislação em Portugal e sobre a regulação política da engenharia genética, a deputada do PS respondeu, em termos mais amplos, que o país tem "acompanhado as complicações éticas e funcionais nesta matéria". Maria de Belém Roseira considera que Portugal está par do que de mais evoluído se faz em investigação e que deve guiar-se pelos princípios que a UNESCO e o Conselho Europa definiram em função do impacto mundial desta questão.

"Se eu fosse um embrião preferia ser útil a sociedade em vez de ser destruída"

Passando revista à legislação, a deputada lembrou que em Portugal, a informação genética é propriedade de cada um, são proibidos testes genéticos preditivos a não ser para doenças já diagnosticadas, a procriação medicamente assistida é uma terapêutica para casais heterossexuais (e não uma alternativa de reprodução), a clonagem é proibida e é permitida a investigação com recursos a embriões, sendo proibida produção de embriões exclusivamente para esse efeito – brincou aqui Maria de Belém Roseira: "Se eu fosse um embrião preferia ser útil a sociedade em vez de ser destruída".

A deputada admitiu que há pontos em que a lei podia avançar no sentido da liberalização, mas que essa leitura deve ser feita à luz daquilo que foi Portugal antes do 25 de Abril e que muitos países, que se modernizaram mais depressa, estão hoje a voltar atrás nas suas leis.

"São matérias muito controversas e muito delicadas porque a maioria das pessoas não gosta de pensar nelas", frisou Maria de Belém Roseira. "Prevenir o que é mau mas caminhar para o bem é o pano de fundo que queremos impor na Assembleia da República".

Da parte da tarde intervieram Yve Legrand, investigadora em Lisboa, Jaime Piçarra da Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais e Jorge Ferreira da Agrosanus, levantando os pós e contras da engenharia genética na agricultura na óptica dos agricultores e consumidores. Numa comunicação intitulada "Ciência, mass média e interesses organizados no debate sobre tecnologia genética" intervieram ainda Jonas Pieper, do Lobby Control, na Alemanha e José Luís Garcia, do Instituto de Ciências Sociais, em Lisboa.

No primeiro balanço do encontro, a fundação Friedrich Ebert anunciou o lançamento de um folheto informativo com as principais conclusões do evento, "para que passe a mensagem", e propôs-se uma nova conferência, desta vez sobre o impacto dos transgénicos e das novas tecnologias na saúde humana.







Fonte:C.H
 
Topo