• Olá Visitante, se gosta do forum e pretende contribuir com um donativo para auxiliar nos encargos financeiros inerentes ao alojamento desta plataforma, pode encontrar mais informações sobre os várias formas disponíveis para o fazer no seguinte tópico: leia mais... O seu contributo é importante! Obrigado.

Morangos para o pequeno-almoço

nuno29

GF Ouro
Membro Inactivo
Entrou
Abr 16, 2007
Mensagens
16,750
Gostos Recebidos
1
Nos anos que antecederam a libertação dos escravos nos Estados Unidos da América, existiam várias rotas de fuga para os escravos que tentavam chegar ao Canadá, onde estariam a salvo. Muitas famílias, ao longo dessas rotas, ajudavam os escravos a esconder-se, alimentando-os e enviando-os para a próxima família da cadeia de solidariedade. Uma lei proibia a ajuda aos escravos e as famílias que o fizessem arriscavam-se a ser presas e obrigadas a pagar multas avultadas caso fossem descobertas. Mesmo assim, muitas famílias continuavam a ajudar, e muitos milhares de pessoas conseguiram, desta forma, alcançar a liberdade. Esta é uma de muitas histórias sobre o Underground Railroad , (Caminho-de-Ferro Clandestino) que consistia num grupo de pessoas que, de forma ilegal, ajudava os escravos a conseguir a liberdade antes da Guerra Civil Americana. Desta organização faziam parte os quakers , um grupo religioso originário do cristianismo, com uma forte implantação nos Estados Unidos da América.

Por volta das cinco e meia de uma manhã de Verão no sul do Ohio, a luz já forte do sol acordara Lucinda Wilson, uma rapariga de treze anos. Sentou-se imediatamente e, de seguida, ao sair da cama, lembrou-se: “Os morangos na colina já devem estar prontos para serem colhidos.” Lucinda tinha vindo a observar com ansiedade a colina coberta de morangos silvestres. Era com grande alegria que planeava agora surpreender a família com um cesto cheio de morangos maduros e deliciosos para comerem ao pequeno-almoço.

Vestiu-se rápida mas silenciosamente para não acordar a irmã. Lucinda tinha dormido nessa noite na cama grande, uma vez que a sua irmã Mary, de dezassete anos, estava a passar alguns dias com uma amiga numa quinta vizinha, e Ruth, de quinze anos, dormia numa pequena alcova no enorme quarto do andar de cima.

A casa da família Wilson ficava a alguma distância da estrada principal, e havia um caminho longo e estreito desde o portão até à porta de entrada da casa. Como este caminho parecia demasiado longo, Lucinda decidiu seguir por um atalho em direcção à colina dos morangos, que se estendia ao longo da estrada principal. Este atalho, que começava junto à capoeira, era praticamente invisível devido ao crescimento emaranhado dos arbustos. Lucinda correu até à rua e começou a subir a colina. Ali estavam os morangos, vermelhos e deliciosos. Começou a colhê-los rapidamente, mas o fundo do cesto não estava ainda coberto quando ouviu uma voz a chamá-la da estrada principal.

Sobressaltada, olhou para baixo e viu dois homens a cavalo. Não os conhecia e a sua primeira reacção foi pôr-se em alerta, pois a sua casa pertencia ao Underground Railroad. Estava certa de que estes homens eram caçadores de escravos.

No momento seguinte, Lucinda viu que tinha razão.

O homem que a chamara, de tez morena e mal-humorado, voltou a dirigir-lhe a palavra:

— Viste duas raparigas negras a passar por aqui? Duas raparigas de dezassete ou dezoito anos? Temos a certeza de que elas levam apenas alguns minutos de avanço.

Lucinda acenou com a cabeça. Respondeu-lhes honestamente que tinha chegado nesse instante e que não tinha visto ninguém para além deles. Os cavaleiros seguiram caminho. Mas Lucinda não pensou mais nos morangos. Tinha a certeza de que as duas raparigas iriam para sua casa e de que aqueles homens as apanhariam mesmo à sua porta, a não ser que conseguisse avisá-las antes. Discretamente, olhou para os caçadores de escravos para se certificar de que nenhum deles estava a olhar para trás. Então, precipitou-se para a estrada e desatou a correr para casa.

Em poucos instantes, estava no terreiro da quinta e entrou em casa de rompante. Mal abriu a porta das traseiras, ouviu a voz da mãe na parte da frente da casa. As raparigas já lá estavam, e os homens chegariam dentro de breves instantes. Sem fôlego, foi ter com a mãe e as raparigas ao vestíbulo. A porta ainda estava aberta.

— Fechem a porta! Fechem a porta rapidamente! Eles vêm aí! — disse, ofegante.

No momento em que proferia estas palavras, viu um cavalo a aparecer. A mãe fechou a porta, trancou-a e olhou desesperadamente em volta, à procura de um esconderijo para as duas raparigas. Estas choravam apavoradas, pois tinham a certeza de que seriam arrastadas de volta e de que nunca mais seriam livres.

— Rápido! Vão lá para cima! — disse Emily Wilson.

Correram pelas escadas acima e entraram no quarto onde Ruth já estava a vestir-se. Esta, espantada, olhou para as quatro pessoas que tinham entrado de rompante.

— Lucinda, veste a camisa de noite, põe a touca e mete-te na cama outra vez — disse a mãe.

A mãe pegou nas roupas de Mary que estavam debaixo da almofada, e atirou-as a uma das fugitivas.

— Veste isto e deita-te na cama com a minha filha. Fica do lado da parede, de costas para a porta. Cobre bem a cara com a touca.

As raparigas obedeceram imediatamente, e Emily Wilson levantou a tampa de uma arca grande feita de verga, que estava encostada à parede. Felizmente, estava quase vazia.

— Mete-te aí dentro — disse ela à outra rapariga, que obedeceu de imediato e se encolheu de modo a que a arca pudesse ser fechada.

Fez-se ouvir uma forte pancada na porta da frente.

— Ruth, veste o roupão, senta-te em cima da arca e tapa-a o mais possível. Os caçadores de escravos estão quase a chegar.

A mãe olhou de relance o quarto, para se certificar de que não havia indícios da presença das raparigas negras, e apressou-se a descer as escadas para abrir a porta.

— Bom dia, minha senhora! Nós andamos à procura das duas escravas que estão aqui — disse um dos homens.

— A sério!? Como sabe que temos duas escravas aqui escondidas? — retorquiu ela.

— Porque estávamos mesmo no seu encalço e temos a certeza de que não passaram daqui. Por isso, vai ter de nos deixar revistar a casa.

— Estejam à vontade! Mas garanto-vos que vai ser uma perda de tempo.

— Veremos! — respondeu o homem.

Começaram a revistar todas as divisões da casa. Emily Wilson deixou-os abrir as portas e procurar à vontade até chegarem ao quarto das raparigas. Aí, pôs-se à frente deles.

— As minhas três filhas dormem aqui e ainda é muito cedo. Meus senhores, peço-lhes que não entrem no quarto.

— Podem estar tanto aqui como em qualquer outro lugar — disse um dos homens. De seguida, abriu a porta e entrou.

Ali estavam as três raparigas, duas na cama, tapadas até às orelhas, a outra sentada na arca com um roupão sobre a arca como se fosse apanhada de surpresa. No entanto, lá dentro, a fugitiva aterrorizada tremia de tal modo que Ruth tinha a impressão de que os homens deviam ver a arca a abanar. Ela sentou-se o mais pesado que conseguiu e cobriu a arca com o roupão.

Um pouco embaraçados, os homens deram uma vista de olhos rápida pelo quarto, abriram o guarda-vestidos e, como não encontrassem nada, saíram novamente, balbuciando um pedido de desculpas.

— Bem — disse um deles quando saíram do último quarto — parece que aquelas raparigas, afinal, já passaram por aqui. É melhor apressarmo-nos e talvez ainda as possamos apanhar.

— Eu avisei-vos de que seria uma perda de tempo — disse Emily Wilson calmamente.

De forma hospitaleira, ofereceu-lhes o pequeno-almoço, o que eles recusaram de imediato, pois estavam com pressa. Partiram a cavalo, e as raparigas sentiram-se então livres para poderem sair dos seus esconderijos.

— Ainda bem que decidi ir apanhar morangos para o pequeno-almoço. Ainda há tempo de voltar lá e encher o meu cesto. Afinal, vamos mesmo ter morangos para o pequeno-almoço — disse Lucinda.

As duas raparigas ficaram tranquilamente em casa durante todo o dia. De madrugada, uma carroça coberta levou-as para outra casa de quakers. Daqui, sem grandes riscos, foram levadas no dia seguinte, pois soube-se que os dois caçadores de escravos tinham perdido o seu rasto e declararam que as duas escravas fugitivas haviam desaparecido.
 
Topo