Antonio A Alves
GF Ouro
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- Mai 14, 2016
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O subterrâneo perdido de 1914-1918
A ENTRADA FAZ-SE por um buraco húmido na terra, pouco maior do que a toca de um animal, tapada por um arbusto espinhoso num bosque isolado do Nordeste de França. Vou no encalço de Jeff Gusky, um fotógrafo e médico do Texas que já explorou dezenas de subterrâneos como este. Escorregamos os dois pelo buraco lamacento, penetrando na escuridão. Pouco depois, a passagem abre-se e gatinhamos em frente, apoiados nas mãos e nos joelhos.O fulgor das lanternas dos capacetes tremeluz ao longo das paredes calcárias empoeiradas do túnel centenário. O corredor afasta-se de nós numa vertente, mergulhando na sombra. Passada uma centena de metros, o túnel termina num pequeno cubículo escavado no calcário e que faz lembrar uma cabina telefónica.
Aqui, logo a seguir à deflagração da Primeira Grande Guerra (há precisamente 100 anos), os engenheiros militares alemães revezavam-se em turnos, mantendo-se em total silêncio e escutando com atenção o mais ténue som produzido pelos sapadores inimigos. Vozes abafadas, ou pás a raspar, significavam que uma equipa de minagem hostil poderia encontrar-se a poucos metros de distância, escavando um túnel de ataque que se encaminhava direito a eles. O perigo aumentava quando a escavação parava e se ouvia o som de sacos ou latas empilhados sem barulho. Sabia-se assim que o inimigo estava a instalar explosivos de grande potência no final do túnel. O mais enervante de tudo era o silêncio que se seguia. A qualquer momento, as cargas podiam detonar e desfazê-los em bocados ou enterrá-los vivos.
Ali perto, numa das paredes do túnel, as lanternas dos nossos capacetes iluminam as inscrições deixadas pelos engenheiros alemães. Cada graffito acompanhado do nome do autor e respectivo regimento encontra-se encimado por um lema: “Gott für Kaiser! [Deus pelo Kaiser!]”. As marcas do lápis ainda estão frescas. Com efeito, a rocha calcária macia da região francesa da Picardia revelou-se ideal não só para as operações de tunelação mas também para os soldados da Primeira Grande Guerra registarem a sua presença com assinaturas, esboços e caricaturas a lápis e, até, complexas esculturas em relevo. Esta arte subterrânea é relativamente desconhecida fora do círculo formado por estudiosos e entusiastas do conflito, bem como autarcas e proprietários de terra, com muitos dos quais Jeff demorou vários anos a tentar travar conhecimento.