Começar outra vez do princípio
Na encruzilhada de nova época perdida, o Benfica precisa de olhar seriamente para a capacidade de os jogadores atingirem objectivos claramente pré-determinados. Os que deixaram de corresponder são mais do que a presumível revalidação do plantel pode deixar entender
Não é um pleonasmo! O Benfica precisa de regressar ao básico e refundar os seus princípios para a próxima época logo que termine o luto por uma temporada assaz negativa – quando ainda há quem veja na hipótese de vencer a Taça de Portugal e manter o 2.º lugar da Liga uma ‘salvação’ miraculosa da corrente de erros e hesitações que estendeu a passadeira ao FC Porto.
Uma observação despretensiosa e atenta à irregularidade da equipa acabará, depois de encerrado o capítulo das culpas do treinador, por relevar as responsabilidades enormes dos jogadores – a maioria dosquaisestiveram aquém do nível exigível e esperado.
Muitos dos jogadores do Benfica que falharam nesta temporada vão manter o lugar no balneário e aparentemente não saem beliscados, por causa de um prestígio que foram fortalecendo internamente e de uma estranha atitude psicológica colectiva que tende a baixar a discussão e a absorver os assomos críticos. Mas, seguramente, são os próprios jogadores em causa os primeiros a reconhecer que a temporada lhes correu muito abaixo do esperado – com riscos de até perderem um lugar na Selecção para o Euro’2008.
Muito do insucesso da equipa foi provocado por uma preparação deficiente, a cargo de um treinador (Fernando Santos) sem futuro no clube, e consumado por uma orientação débil e errática de um sucessor (Camacho) menos carismático do que os responsáveis imaginavam.
Enquanto resolve a questão do futuro treinador, a partir do estudo de perfis antagónicos mas com a tolerância de trazer à colação nomes de treinadores sem instinto ganhador, o Benfica não pode perder de vista a aquisição dos jogadores de que precisa. Ao que parece, no entanto, espera pelo fim oficial da carreira do jogador Rui Costa para partir desse ponto em direcção à total renovação. E este é o nó górdio da questão benfiquista!
Será possível confiar na recomposição de uma equipa ganhadora nos curtos dois ou três meses que vão decorrer entre o último jogo de Rui Costa e a estreia no escritório? É evidente que a resposta é “não” – como ele próprio já admitiu, ao afirmar que os casos particulares serão da sua responsabilidadese tratados depois de 1 de Julho. Nada mais confuso e perigoso!
Sem um director desportivo no activo mas apenas virtual, sem um treinador identificado mas apenas difusamente perfilado e com uma série de jogadores em défice de rendimento, os meses que faltam para a nova época do Benfica ameaçam transformar-se numa delicada fase da vida do clube. A necessidade de reduzir os gastos supérfluos, obrigando a escolhas assertivas, vai gerar uma pressão suplementar sobre os responsáveis, o que justifica a compra de tempo que realizaram através da aposta em Chalana para o cargo interino – absorvendo os repetidos choques psicológicos dos últimos tempos. Neste tempo de análise interna, o Benfica precisa de levar tudo a sério. Incluindo a politicamente incorrecta ‘limpeza de balneário’, através de metas individuais bem definidas e exigentes, como uma das raras em vias de ser atingida na época corrente, a dos 20 golos de Óscar Cardozo.
O VÍCIO DE CONTRATAR 10 JOGADORES POR ANO
Ao longo de meia-dúzia de anos como presidente e dividindo as responsabilidades da gestão do futebol, Luís Filipe Vieira há muito passou a meia centena de contratações, cujo denominador comum é o fracasso desportivo a troco de elevado investimento. No Benfica instalou-se o vício das contratações custe o que custar.
CERTOS: NÚCLEO DURO EM MUTAÇÃO
São poucos os jogadores que justificaram inteiramente permanecer no Benfica e entre eles há quem tenha dificuldade em prosseguir, como o uruguaio Cristian Rodríguez, embora seja difícil imaginar que o clube não o segure depois de ter sido o mais regular da temporada. A base indiscutível do Benfica na época que caminha para o final é um misto de veteranos (Quim e Luisão) com diversos estreantes que não podem sair. Seguramente, existem outros jogadores que vão prosseguir e são considerados indispensáveis à continuidade (Nélson, David Luiz, Petit ou Nuno Gomes) mas para estes a próxima época será seguramente a última em caso de não subirem radicalmente a sua produção. Foi talvez por causa da irregularidade desta parte do núcleo duro que o Benfica não teve competitividade para o FC Porto. Quim, Bynia, Cardozo, Rodríguez e Adu (!) são os únicos indiscutíveis desta época terrível e, provavelmente, a base da próxima temporada depois de uma reformulação do sector defensivo.
CERTOS: Quim, Maxi Pereira, Bynia, Luisão, Cardozo, Rodríguez, DiMaría, Sepsi, Makukula e Adu
AFASTADOS: DESPEDIDAS INGLÓRIAS
Ao longo dos últimos anos, tornou-se um hábito a saída dos jogadores do Benfica pela chamada “esquerda baixa”, sem glória e pouca honra. Rui Costa estará a coberto destas ‘demissões’ compulsivas que costumam ser chamadas ‘limpeza do balneário’ mas acaba por desaparecer de cena num intervalo sem aplauso, não propriamente anónimo mas bastante longe das parangonas com que sonhou e justificaria. Quando, um dia mais tarde, se olhar para a folha desta temporada terá caído lado a lado com figuras de segunda ordem como Miguelito ou Bergessio e mais alguns da lista de ‘avaliações’ que vai preencher os próximos meses.
AFASTADOS: Miguelito, Fábio Coentrão, Andrés Diaz, Rui Costa e Bergessio
EM AVALIAÇÃO: NINGUÉM ACIMA DE DISCUSSÃO
Alguns dos jogadores que não preencheram, nem de longe, os requisitos do serviço ao Benfica ao longo deste ano, por razões diversas que em muitos casos são justificáveis por uma deficiente preparação física que não preveniu uma anormal catadupa de lesões musculares, irão, todavia, ficar na Luz pelo menos mais um ano. Pode parecer uma heresia pôr em dúvida a continuidade de Petit ou Nuno Gomes, Katsouranis ou Nuno Assis, bem como do eterno Mantorras, mas a descontinuidade das respectivas prestações tem de suscitar discussão interna. O Benfica tornou-se um clube muito paternalista e menos exigente para os seus profissionais, começando a prevalecer uma ideia comercial de que os jogadores da casa não se discutem. A falta de massa crítica é o primeiro passo para a decadência e nenhum destes jogadores, à excepção de Léo, que termina o contrato, pode considerar-se à margem de uma avaliação rigorosa e… negativa.
EM AVALIAÇÃO:Butt, Moreira, Luís Filipe, Nélson, David Luiz, Edcarlos, Léo, Zoro, Petit, Katsouranis, Nuno Gomes, Mantorras, Nuno Assis.
A LOTARIA DAS NOVAS AQUISIÇÕES
São as saídas do plantel que primeiro identificam os futuros alvos de contratação, em busca de um preenchimento de vagas que eleve o valor da equipa. Assim, o Benfica precisa com muita premência de dois bons laterais, de um defesa-central ‘sénior’ e fiável, que acabe de vez com o suplício das experiências e dos ‘remendos’, um bom ala-direito, mais vertical e prático do que Rodríguez e Di María, e de um ‘número 10’ capaz de fazer esquecer Rui Costa.
Não será uma tarefa fácil, talvez nem seja executável com um mínimo de eficácia assegurada, até porque vem assentando numa lógica de lotaria e casualidade que tanto pode trazer um Bergessio fantástico como um Bynia desclassificado.
Ninguém conhece o actual trajecto de busca e aquisição dos reforços estrangeiros do Benfica mas conta a lenda que ele será dirigido de longe por um ou outro agente que tenha caído nas boas graças do crédulo presidente Vieira, que tem arrastado o emblema para um terreno de ingenuidade técnica e negocial que transformou a vida nacional do FC Porto num incrível passeio triunfal.
Um dos casos mais espantosos da política de aquisições do Benfica nos últimos anos foi o brasileiro Diego Souza, agora também perdido. Depois de um excelente 2007 no Grêmio, que lhe valeu ser o jogador mais valorizado do plantel encarnado, sem nunca ter actuado em Portugal, é agora um dos destaques do Palmeiras, que domina o futebol paulista. Por quem e como terá sido avaliado?
João Querido Manha