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O regresso luminoso da 'fadista exótica'
Música. Com o disco 'Phados', de 1998, conquistou reconhecimento entre o público e a crítica. Mas os dez anos seguintes foram de alguma reclusão e muita reflexão. Lula Pena regressa agora para novos concertos e um segundo disco, como que um recomeço, planeado para o final do ano
Cantora actua hoje à noite no Castelo de São Jorge
No princípio, Lula Pena não era fadista. Passeava-se entre Lisboa, Barcelona e terras belgas, um nomadismo que lhe é "necessário", ainda hoje. Foi a editora belga Carbon 7 que lhe editou o álbum Phados, em 1998, depois de um encontro imprevisto num bar com música ao vivo. Lula Pena estava à guitarra, com os fados e os cantos que lhe nascem "no ventre, afinal o centro da nossa identidade".
Durante dez anos encantou quem a viu e ouviu e deixou curioso os que apenas lhe conheceram o nome. Agora está de regresso, aos palcos (hoje, pelas 22.00, no Castelo de S. Jorge, com Richard Galliano, Custódio Castelo e as Adufeiras de Monsanto) e aos discos, com nova edição prevista para Novembro. Em Agosto, mais concertos a esperam, dessa vez na Casa da Música (Porto, dia 8) e Museu do Oriente (Lisboa, a 15).
Phados transformou Lula Pena. O fado era-lhe visceral, "deixava-me os músculos presos, não conseguia mexer as mãos, tudo era muito intenso", recorda. Amália Rodrigues e Maria Teresa de Noronha passeavam-se pelos acordes de uma guitarras minimal, que depois explicava qual a relação desta canção com outras, do Brasil a Cabo Verde. Esta voz de corpo inteiro, adulta, confiante diz-nos hoje que "o fado surgiu tarde na minha vida, só depois dos vinte anos". Porque antes o fado não gerava paixões. Antes, porque a "indescritível experiência física" gerou um "depois". Veio o "Phado" com PH, porque é "epidérmico, é-nos interno e moldamo-lo à nossa imagem". O reconhecimento e os aplausos. Próximo passo: o medo, o desconforto, o pânico no palco, a intimidade que desapareceu e deixou Lula Pena "a viver numa esfera diferente, que nunca foi confortável".
Restava-lhe procurar espaço e tempo para descobrir se as dificuldades eram ultrapassáveis, se a necessidade criativa e artística falaria mais alto. "Percebi que o meu mundo tinha que ser revelado, tinha que fazer propaganda sobre quem sou", reconhece agora, serena, decidida. Hoje, o fado que a faz cantar Amália e Chico Buarque na mesma frase, não é o mesmo de há dez anos.
Lula Pena construiu as suas "relações e motivações com a canção". Esta é a "cantora- nómada-exótica" que não se preocupa com os rótulos, "desde que não desvirtuem aquilo que sou". Se é exótica por pensar o fado à sua maneira, "que assim seja". E o tal nomadismo rouba-lhe a existência de um "porto seguro". Lisboa é sempre "motivo de regresso, depois de demarches às quais não consigo resistir". Sem qualquer angústia ou sentimento de insegurança, que "a necessidade de consolo é de impossível satisfação", acredita.
Na verdade, a música de Lula Pena "é uma viagem, em volta de fontes de inspiração que desconheçam mas me trazem paixões". O fado pode ser encarado como uma religião, com regras e dogmas que "asseguram definições e protecção das ameaças externas". Mas tanto numa realidade como noutra, Pena é apelido de quem acredita "na essência" e depois se lança "na indefinição". Este é um mundo de dicotomias, cantadas, "como se a alegria e a tristeza fossem duas partes de uma mesma entidade". A fadista - que não sabe se essa é a sua categoria mas que reconhece a necessidade de simplificação perante o público - respeita uma e outra, o prazer da primeira, a obrigação da segunda.
Para tudo o que lhe constrói os dias, encontra no fado banda sonora, não a ideal mas a única possível. A inquietação geográfica leva-a a descobrir outras realidades, diferentes músicos e distintas possibilidades. Do fado faz uma festa e hoje participa no cartaz do evento com o mesmo nome. Porque as regras do palco implicam o convite de outros, amigos e admirados, Lisboa recebe hoje Richard Galliano, "músico ímpar, de enorme sensibilidade", Custódio Castelo e uma "identificação com a guitarra portuguesa que me é familiar e sedutora" e as Adufeiras de Monsanto, que deverão, acima de tudo, "surpreender". Novos encontros com outras músicas, "antes as pessoas, suas identidades, e só depois os instrumentos", para preparar terreno fértil para um novo disco que aí vem.
TIAGO PEREIRA
DN
Música. Com o disco 'Phados', de 1998, conquistou reconhecimento entre o público e a crítica. Mas os dez anos seguintes foram de alguma reclusão e muita reflexão. Lula Pena regressa agora para novos concertos e um segundo disco, como que um recomeço, planeado para o final do ano
Cantora actua hoje à noite no Castelo de São Jorge
No princípio, Lula Pena não era fadista. Passeava-se entre Lisboa, Barcelona e terras belgas, um nomadismo que lhe é "necessário", ainda hoje. Foi a editora belga Carbon 7 que lhe editou o álbum Phados, em 1998, depois de um encontro imprevisto num bar com música ao vivo. Lula Pena estava à guitarra, com os fados e os cantos que lhe nascem "no ventre, afinal o centro da nossa identidade".
Durante dez anos encantou quem a viu e ouviu e deixou curioso os que apenas lhe conheceram o nome. Agora está de regresso, aos palcos (hoje, pelas 22.00, no Castelo de S. Jorge, com Richard Galliano, Custódio Castelo e as Adufeiras de Monsanto) e aos discos, com nova edição prevista para Novembro. Em Agosto, mais concertos a esperam, dessa vez na Casa da Música (Porto, dia 8) e Museu do Oriente (Lisboa, a 15).
Phados transformou Lula Pena. O fado era-lhe visceral, "deixava-me os músculos presos, não conseguia mexer as mãos, tudo era muito intenso", recorda. Amália Rodrigues e Maria Teresa de Noronha passeavam-se pelos acordes de uma guitarras minimal, que depois explicava qual a relação desta canção com outras, do Brasil a Cabo Verde. Esta voz de corpo inteiro, adulta, confiante diz-nos hoje que "o fado surgiu tarde na minha vida, só depois dos vinte anos". Porque antes o fado não gerava paixões. Antes, porque a "indescritível experiência física" gerou um "depois". Veio o "Phado" com PH, porque é "epidérmico, é-nos interno e moldamo-lo à nossa imagem". O reconhecimento e os aplausos. Próximo passo: o medo, o desconforto, o pânico no palco, a intimidade que desapareceu e deixou Lula Pena "a viver numa esfera diferente, que nunca foi confortável".
Restava-lhe procurar espaço e tempo para descobrir se as dificuldades eram ultrapassáveis, se a necessidade criativa e artística falaria mais alto. "Percebi que o meu mundo tinha que ser revelado, tinha que fazer propaganda sobre quem sou", reconhece agora, serena, decidida. Hoje, o fado que a faz cantar Amália e Chico Buarque na mesma frase, não é o mesmo de há dez anos.
Lula Pena construiu as suas "relações e motivações com a canção". Esta é a "cantora- nómada-exótica" que não se preocupa com os rótulos, "desde que não desvirtuem aquilo que sou". Se é exótica por pensar o fado à sua maneira, "que assim seja". E o tal nomadismo rouba-lhe a existência de um "porto seguro". Lisboa é sempre "motivo de regresso, depois de demarches às quais não consigo resistir". Sem qualquer angústia ou sentimento de insegurança, que "a necessidade de consolo é de impossível satisfação", acredita.
Na verdade, a música de Lula Pena "é uma viagem, em volta de fontes de inspiração que desconheçam mas me trazem paixões". O fado pode ser encarado como uma religião, com regras e dogmas que "asseguram definições e protecção das ameaças externas". Mas tanto numa realidade como noutra, Pena é apelido de quem acredita "na essência" e depois se lança "na indefinição". Este é um mundo de dicotomias, cantadas, "como se a alegria e a tristeza fossem duas partes de uma mesma entidade". A fadista - que não sabe se essa é a sua categoria mas que reconhece a necessidade de simplificação perante o público - respeita uma e outra, o prazer da primeira, a obrigação da segunda.
Para tudo o que lhe constrói os dias, encontra no fado banda sonora, não a ideal mas a única possível. A inquietação geográfica leva-a a descobrir outras realidades, diferentes músicos e distintas possibilidades. Do fado faz uma festa e hoje participa no cartaz do evento com o mesmo nome. Porque as regras do palco implicam o convite de outros, amigos e admirados, Lisboa recebe hoje Richard Galliano, "músico ímpar, de enorme sensibilidade", Custódio Castelo e uma "identificação com a guitarra portuguesa que me é familiar e sedutora" e as Adufeiras de Monsanto, que deverão, acima de tudo, "surpreender". Novos encontros com outras músicas, "antes as pessoas, suas identidades, e só depois os instrumentos", para preparar terreno fértil para um novo disco que aí vem.
TIAGO PEREIRA
DN