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Práticas comerciais desleais e agressivas

santos2206

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[h=2]O caráter abusivo de uma cláusula contratual não clara que faz recair o risco cambial sobre o mutuário e que não reflete as disposições legislativas pode ser objeto de fiscalização jurisdicional[/h]
Comentário ao Acórdão TJUE de 20 de setembro de 2018, no processo C-51/17


Em fevereiro de 2008, Teréz Ilyés e Emil Kiss celebraram com um banco húngaro um contrato de crédito para a concessão de um empréstimo em francos suíços (CHF). Apesar de o contrato prever que as prestações mensais deviam ser pagas em forints húngaros (HUF), o montante dessas prestações era no entanto calculado com base na taxa de câmbio vigente entre o forint húngaro e o franco suíço. Além disso, o contrato fazia referência ao risco cambial em caso de eventuais flutuações da taxa de câmbio entre essas duas divisas.

Posteriormente, a taxa de câmbio alterou-se consideravelmente em detrimento dos mutuários, o que se traduziu num aumento significativo do montante das respetivas prestações mensais. Em maio de 2013, T. Ilyés e E. Kiss demandaram judicialmente nos tribunais húngaros o OTP Bank e a OTP Factoring, duas sociedades às quais tinham sido cedidos os créditos decorrentes do contrato de mútuo. No decurso deste processo, colocou-se a questão de saber se a cláusula relativa ao risco cambial não tinha sido redigida pelo banco de maneira clara e compreensível e podia, por conseguinte, ser considerada abusiva na aceção da Diretiva relativa às cláusulas abusivas (1) .
Entretanto, a Hungria adotou, em 2014, regulamentação com vista a eliminar determinadas cláusulas abusivas dos contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira, a converter virtualmente em forints húngaros todas as dívidas não vencidas decorrentes desses contratos e a aplicar a taxa de câmbio fixada pelo Banco Nacional da Hungria. Esta regulamentação tinha também por objetivo dar cumprimento a uma decisão da Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) que tinha declarado incompatíveis com a diretiva certas cláusulas inseridas em contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira (2) (essa decisão foi proferida na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça no processo Kásler e Káslerné Rábai) (3) . Contudo, esta nova regulamentação não alterou o facto de o risco cambial recair sobre o consumidor em caso de depreciação do forint húngaro em relação à divisa estrangeira em causa.

Dado que, por força da diretiva, as cláusulas contratuais que refletem disposições legislativas ou regulamentares imperativas não estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, o Fővárosi Ítélőtábla (Tribunal Superior de Budapeste–Capital, Hungria), que conhece do processo de T. Ilyés e de E. Kiss, pergunta ao Tribunal de Justiça se pode apreciar o caráter abusivo de uma cláusula, na hipótese de esta não estar redigida de maneira clara e compreensível, embora o legislador húngaro, ao não ter intervindo sobre este aspeto, tenha aceitado que o risco cambial continue a recair sobre o consumidor em caso de depreciação do forint húngaro em relação à divisa estrangeira em causa.

No seu acórdão de hoje, o Tribunal de Justiça recorda que a regra que exclui do âmbito de aplicação da diretiva as cláusulas que refletem disposições legislativas ou regulamentares imperativas é justificada pelo facto de ser legítimo presumir que o legislador nacional estabeleceu um equilíbrio entre todos os direitos e obrigações das partes no contrato. Todavia, isso não significa que outra cláusula contratual não abrangida por disposições legislativas, como neste caso a cláusula relativa ao risco cambial, também esteja, na totalidade, excluída do âmbito de aplicação desta diretiva. O caráter abusivo desta cláusula pode assim ser apreciado pelo juiz nacional na medida em este considere, após um exame caso a caso, que não foi redigida de forma clara e compreensível (4) .
A este respeito, o Tribunal de Justiça considera que as instituições financeiras são obrigadas a prestar aos mutuários informações suficientes que os habilitem a tomar decisões prudentes e fundamentadas. Isso implica que uma cláusula relativa ao risco cambial deve ser compreendida pelo consumidor, tanto nos planos formal e gramatical, como quanto ao seu alcance concreto. Daqui resulta que um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, deve poder não só ter consciência da possibilidade de depreciação da moeda nacional em relação à divisa estrangeira em que o mútuo foi expresso, mas também avaliar as consequências económicas potencialmente significativas dessa cláusula nas suas obrigações financeiras.
Além disso, o Tribunal de Justiça declara que o caráter claro e compreensível das cláusulas contratuais deve ser apreciado por referência, no momento da celebração do contrato, a todas as circunstâncias que rodearam essa celebração, bem como a todas as outras cláusulas do contrato, não obstante a circunstância de algumas destas cláusulas terem sido declaradas ou presumidas abusivas e, a esse título, posteriormente anuladas pelo legislador nacional.

Por último, o Tribunal de Justiça confirma que incumbe ao juiz nacional tomar em consideração oficiosamente, em substituição do consumidor na sua qualidade de demandante, o caráter eventualmente abusivo de outras cláusulas contratuais diferentes da relativa ao risco cambial, desde que disponha dos elementos de facto e de direito necessários para esse efeito.

(20-9-2018 | curia.europa.eu)



(1)
Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

(2)
Decisão n.º 2/2014 PJE (Magyar Közlöny 2014/91, p. 10975).


(3) Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C-26/13, v. também CP n 66/14).


(4)
Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o. (C-186/16, v. também CP n° 103/17).



Fonte:
JusJornal, N.º 31, Secção Comercial / Acórdão do Dia , Outubro 2018, Editora Wolters Kluwer


 
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