Preparados para ter um filho?

Luana

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Preparados para ter um filho?



Não é uma decisão qualquer. Muitos consideram-na a mais importante de uma vida. Se ter filhos passou a ser escolha e não destino, no momento de dizer «preparados!» há que ouvir a emoção, mas também convocar a razão.

Se procurarmos num dicionário o significado de decisão, encontramos palavras como determinação, coragem, firmeza, opção, livre escolha. Todas são necessárias quando a decisão se relaciona com o momento certo para o casal ter o primeiro filho. O desejo é imprescindível, mas a transformação em grande vontade depende de um conjunto alargado de factores. Dos mais materialistas aos mais emotivos e existenciais, idealmente todos deveriam ser equacionados. Porque, como alerta a terapeuta familiar Catarina Rivero, «é essencial que o casal parta para essa experiência com a certeza que a equipa parental é para a vida! A equipa conjugal termina quando os dois decidirem, mas a parental, a bem da criança, não acaba nunca».

Ontem queria, mas hoje…

Raramente o casal se sente 100 por cento convencido. Se ontem já se imaginavam pais de três filhos, hoje, se calhar, sentem-se felizes por serem só os dois. Às vezes, vê um bebé lindo a passar num carrinho e só lhe apetece pegá-lo ao colo e também ter um. Mas, no dia seguinte, assiste a uma birra tremenda no supermercado e só pensa: «Ainda bem que não é comigo!». Todos passamos por isso.
Mariana Camarate está casada desde Outubro e já sente com o marido a tal vontade, mas partilha exactamente os mesmos sentimentos contraditórios: «Há momentos em que nos apetece imenso, mas há outros – quando por exemplo vamos sair à noite, jantar fora ou passar juntos um fim-de-semana – em que ficamos tão contentes com a nossa liberdade!» A pressão social, curiosamente, sente-se nos dois sentidos. «Sei que não é por mal, mas as pessoas pressionam muito. Se eu digo que tenho uma novidade para contar ou se em algum almoço reparam que não como alguma coisa, pensam logo que estou grávida», reconhece Mariana. Isabel Leal, psicóloga clínica e investigadora na área da gravidez e parentalidade, reconhece: «A pressão social é enorme e é um dos factores habitualmente considerados de forma muito consciente na decisão da parentalidade. O casamento, e mesmo o viver em conjunto de forma estável, passou a significar o construir de uma família.

Família que não começa no casal mas na criança. A pressão mais forte vem do grupo de pares. A certa altura, os amigos da mesma idade têm todos filhos pequenos, as amigas estão grávidas, todas as conversas vão parar ao tema dos filhos, os programas habituais tornam-se raros porque a existência de crianças altera os estilos de vida e por aí fora. A pressão social existe e sente-se». Mas, curiosamente, Mariana lembra algo que acontece com muita frequência: «Todos os nossos amigos com filhos dizem-nos: ‘não tenhas filhos já, não faças isso, aproveita’. No início não ligávamos, mas agora já são tantas pessoas a dizer sempre o mesmo…»

Decisão a dois

Estes avisos não são inocentes. Catarina Rivero acompanha muitos casais em dificuldades, habitualmente um ano depois de serem pais. «Pelos dados da investigação, sabemos que 70 por cento dos casais que entram na parentalidade têm uma crise negativa no primeiro ano após o nascimento do primeiro filho. É uma grande percentagem. Não quer dizer que não dêem a volta, mas vivenciam a experiência de uma forma negativa», reconhece. Será que afinal não estariam preparados para este exigente passo? A preparação total é impossível, mas vários factores importantes podem ser ponderados. A terapeuta familiar reforça: «É importante que o casal sinta que está bem, numa fase positiva e que o entrar na fase da parentalidade seja o acrescentar de algo a essa vivência. É útil falar-se do que se espera do outro, entenderem quais as motivações dos dois para avançarem com esse passo e perceberem se a entrada na parentalidade é um sonho comum, em que ambos se sentem envolvidos. Se sentem que a ligação está frágil, que os conflitos estão a acontecer e se não se sentem seguros, então talvez seja tempo de cuidar primeiro da relação».


A psicóloga Sofia Gameiro, colaboradora da Unidade de Intervenção Psicológica da Maternidade Dr. Daniel de Matos em Coimbra, destaca: «É aconselhável que os casais previamente tentem imaginar como será a sua vida após o nascimento do bebé e que discutam como pensam organizar-se para realizar as novas tarefas que terão de cumprir, como por exemplo dar banho ao bebé, mudar a fralda, levantarem-se durante a noite quando o bebé chorar, etc. Os estudos têm mostrado que algumas das dificuldades que os casais experimentam depois do nascimento do seu filho estão directamente relacionadas com a forma como negoceiam e conciliam estas novas tarefas». Mais do que em qualquer outro plano, a flexibilidade aqui é essencial. Como Catarina Rivero defende: «Tudo vai ser novo, por isso quanto mais rigidificarem, maior clivagem sofrerá o casal. É necessária uma grande humildade perante o que vai acontecer e desconstruir verdades absolutas para que se construa algo, no dia-a-dia, que faça sentido aos dois».

Pensar e dialogar

Antes do afirmar «estamos prontos», são ponderados quase sempre os critérios mais objectivos: Temos segurança financeira? Temos a casa e o carro dos nossos sonhos? O nosso emprego é estável? Ninguém desmente que ter um filho tem consequências em qualquer orçamento, mas a dimensão das novas despesas também depende daquilo que o casal acha essencial. «Vivemos numa era de algum perfeccionismo e vejo muitos casais a adiar a parentalidade porque têm de ter uma casa com todos os quartos que já imaginaram, o carro ideal, a casa de férias… Estão pouco disponíveis para abdicar de certas questões materiais», confessa Catarina Rivero.


Além do lado financeiro, há outros aspectos igualmente práticos que devem ser considerados. Um dos que pesa mais é a vertente profissional. Mariana reconhece: «Há uma exigência a nível profissional muito grande e, por isso, a decisão vai sendo adiada». Felizmente, cada vez mais mulheres encontram satisfação na evolução das suas carreiras, o que torna a decisão de parar de trabalhar e ter um filho difícil. O casal precisa também de pensar na forma como os seus compromissos profissionais irão causar impacto no relacionamento com o seu filho. Muitos homens mais velhos, que se tornam pais pela segunda vez num outro relacionamento, reconhecem que se arrependem por não terem estado mais presentes na infância dos filhos no seu primeiro casamento.

Por isso, questões mais genéricas como «Como vamos conciliar e equilibrar a parentalidade com as carreiras profissionais?» ou mais específicas como «A licença parental será usufruída só pela mãe ou partilhada pelos dois?, Quando regressarmos ao trabalho que apoios logísticos teremos?» devem ser discutidas antes.

Tempos

Um aspecto que muitas vezes é decisivo é a idade da mãe. O aproximar do limite da idade ideal funciona como factor de pressão, como explica Mariana: «Já tenho 30 anos e isso conta muito. Acho que a idade tem muita importância e tenho um pouco de medo de deixar a decisão para mais tarde e depois ter uma gravidez menos saudável ou não conseguir ter os três filhos que desejava». A ginecologista obstetra Fátima Palma alerta para um aspecto interessante: «Muitas vezes, os casais encaram o projecto da gravidez como outro qualquer e acham que, quando decidem, tem de se resolver rapidamente, porque estipularam que naquele ano em concreto seria a altura ideal para terem um filho. Mas, à medida que a idade avança, a fertilidade vai-se alterando e a nossa probabilidade mensal de engravidar não é assim tão grande. Numa pessoa que tenha relações sexuais regulares, sem contracepção, a possibilidade ronda os 30-35 por cento. Só ao fim de um ano de uma vida sexual regular, não protegida, é que 85 por cento dos casais conseguem engravidar». E reforça: «Os casais, hoje em dia, programam tanto, tanto as coisas que depois não sabem esperar. Muitas vezes, uma das consequências do adiar do projecto da paternidade é o aumento da ansiedade dos casais após tomarem a decisão».


Emoção, razão e biologia, todas são chamadas para esta grande decisão. Isabel Leal desmistifica: «Acho que cada casal tem que descobrir o seu tempo de serem pais. Sem regras. Num estudo que realizei há alguns anos verifiquei que a razão mais referida era «estar na altura». Pode existir a fantasia que em certo momento o desejo de ter filhos se torna imperativo. De facto não é assim e, no âmbito de uma relação, muitas vezes o ter filhos é uma negociação complexa.»



in Pais e Filhos
 
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