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Tudo bons rapazes

pauz

GF Bronze
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Jun 15, 2009
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Todos os dias aquela meia hora após o jantar, mais parecia um castigo para mim e para o meu irmão Manuel, o Nelo, 4 anos mais velho que eu. Éramos, aliás somos, o 5º e o 6º de sete irmãos, não esquecendo a mana mais nova, a Miguel, que por ser rapariga não fazia parte das nossas brincadeiras nocturnas.
Era hora de rezar o terço. E sempre que nos era dada a responsabilidade de passar aquelas contas redondinhas pelos nossos dedos, não hesitávamos em “roubar” uma ou duas Ave-marias em cada dez, tal a pressa de vir para a rua ter com os amigos para as coboiadas.
O toque era dado pelo Nelo com o pé por baixo da mesa, quando era eu a comandar a oração. Já sabia que era p´ra “fanar” e apressar a coisa.
Só que a nossa pequenina, mas grande Mulher, mãezinha, dava sempre por ela, e quando passávamos ao Pai-nosso antes do tempo, logo ouvíamos aquela voz doce, mas autoritária: menino ainda falta uma Ave-maria.
- Desculpe mãezinha, enganei-me!
Quando era chegada a hora da Salve-rainha, já os bancos começavam a roçar o chão e os nossos corpos em movimentos quase imperceptíveis afastavam-se lentamente da mesa ou do cantinho que todos gostavam, que pertencia ao nosso saudoso pai e que estava dispensado daquela meia hora, sagrada para a nossa mãe, e angustiante para nós. A Miguel ficava a lavar a louça, pois naquele tempo, na nossa humilde casa, máquina, televisão ou frigorífico era coisa que não existia!
Recordo os almoços de domingo, em que a ementa era quase sempre rissóis de carne, feitos pela D. Noémia, assim se chamava a nossa mãe, e que garanto, hoje faziam inveja ao mais pintado dos chefes de cozinha.
Uma garrafinha de Campelo fazia a delicia do paizinho, mas como não tínhamos frigorífico, lá tinha eu ou a Miguel que ir ao Gilinho (Virgílio) o nosso vizinho, pedir umas pedrinhas de gelo, porque o “reclame” era para ser levado à risca. “Campelo, fresquinho dá gosto bebê-lo”.
Voltando à “Vaca-fria”, quando o terço acabava, era um vê-se-te-avias para vir para a rua onde já estavam aí uns seis ou sete amigos à nossa espera.
Não tínhamos idade, e muito menos dinheiro para ir para o café. O “Pop”. Não era o Central á beira da farmácia! Isso é mais nas aldeias, e nós morávamos no Porto.
As nossas brincadeiras apesar de muito saudáveis, e vistas agora a quarenta anos de distância não eram lá muito recomendáveis.
Pifar fruta aos vizinhos, e até dos quintais dos nossos amigos. Só que quando era na casa deles ou na nossa, íamos lá dentro como quem não quer a coisa, certificarmo-nos que os nossos pais estavam já deitados, ou então suficientemente distraídos não com telenovelas, porque essa era ao meio – dia na rádio, a “Simplesmente Maria” ou a fazer outra coisa qualquer .
A malta comia tudo: Maçãs e uvas ainda verdes que transportávamos por baixo das camisolas, fazendo barrigadas como nós lhe chamávamos. Dióspiros da casa do Gilinho, esse onde eu ia pedir o gelo ao domingo, ameixas brancas da minha casa, ameixas vermelhas de casa da minha avó (que saborosas), enfim tudo do bom e do melhor e ao melhor preço.
Tocar às campainhas e aos batentes das portas e fugir, jogar às escondidas e aos pilhas, o que importava era fazer algum barulho e deixar o bairro em alvoroço. Todos sabiam quem nós
éramos, e todos vinham cá fora barafustar, mas ao outro dia já tudo tinha passado e nós esperávamos ansiosamente que a noite chegasse, não para rezarmos o terço, mas para nos juntarmos e voltarmos ao ataque.
Ah claro, já me esquecia das miúdas! Naquele tempo as catraias, para nossa tristeza, não saíam à noite, mas o pessoal arranjava maneira de as ver, quero dizer “ espreitar “.
A Laura, e perdoem-me a expressão “Era boa co´ mó milho” e não havia noite em que atropelando-nos uns aos outros, qual filinha indiana organizada, não fossemos espreitá-la pela caixa do correio. Aquela chavala fazia as nossas delícias! ainda que fosse, e com muita pena nossa, só em sonhos. Nenhum de nós tinha pedalada para uma coisa daquelas! Aliás ela já adulta, chegou a ser capa de revista.
Quando as onze e meia, meia-noite menos um quarto se começava a aproximar, o maralhal começava a dispersar cada qual para sua casa, pois quem chegasse depois da meia-noite sujeitava-se a dormir no barraco, ou a levar uma coçita do velhote.
Durante o dia e depois da escola, (uns eram de manhã, outros de tarde), a malta entre o lanche e o jantar lá conseguia um tempito para fazer os “deveres”, os agora “TPC”. O resto, e a maior parte do tempo era p´rá brincadeira.

À luz do dia as coisas mudavam de figura. Os carros de rolamentos pela rua abaixo faziam um barulho ensurdecedor. O outro meu irmão, o 4º que já trabalhava e namoriscava, tinha umas mãos como sói dizer-se de ouro. Tinha bem a quem sair, e fazia-nos os carros de rolamentos e imagine-se motas também de rolamentos. Aí como os travões não eram de disco, os tombos quando aconteciam eram mesmo das alturas.
Quando era golo, ouvia-se do outro lado do bairro. Mas quando a bola saltava para casa dos vizinhos, o silêncio tomava conta de tudo. Até as moscas se ouviam. Quem vai lá dentro buscar a bola? Eu não! Eu também não! Sobrava sempre para o Júlio, o mais atrevido de todos, que por acaso e só por acaso também era Diniz.
O Sr. David era o sapateiro lá do sítio. E, além de sapatos, fazia colecção das bolas que caíam nos seus domínios. Sofríamos a bom sofrer porque só as devolvia passadas algumas semanas, a não ser que as nossas mães depois de passado o respectivo raspanete, as fossem lá pedir.
O Polícia, que para os bebés, era o “Polícia da sopa”, quando aparecia na esquina e nos apanhava a jogar a bola, aquilo era só visto: cada qual a fugir para o seu lado, dando apenas tempo para agarrar nas camisolas, nas sapatilhas e desaparecer do mapa, ou seja do bairro, por tempo indeterminado, pois o bófia, assim lhe chamávamos, ficava sempre na conversa com este ou aquele vizinho que aproveitava para se queixar do barulho da noite anterior.

Bicicleta? Também tínhamos pois então. A do Xiquinho! Mas uma volta ao bairro custava-nos sempre dois rebuçados ou uma chicla!
Só mais tarde, aí já com os nossos 15 anitos é que tivemos a nossa bicla! E como não podia deixar de ser, também não podíamos andar à nossa vontade, pois nessa altura era preciso ter carta.

Numa voltita arriscada que dei até ao “Pop”, o nosso polícia avistou-me ao longe, sem as mãos no guiador, reconheceu-me e a minha mãe teve que pagar uma multa. Pelo menos foi o que ela me disse.
Crescemos, fizemo-nos homens casados, pais de filhos, e sem que tivesse aparecido o polícia, dispersamos uns para cada lado. Nunca mais vi nenhum dos meus amigos.

Que saudades.


 
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