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Vodu

Satpa

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Vodu

Não é preciso procurar muito para encontrar referências ao vodu na cultura popular, especialmente no mundo ocidental. Filmes sobre zumbis, por exemplo, têm raízes evidentes no vodu haitiano. As lojas de quinquilharias vendem bonecos acompanhados de alfinetes que podemos usar para promover ataques sobrenaturais contra qualquer alvo, de parceiros românticos ausentes a patrões insensíveis. Até mesmo o World of Warcraft tem sua forma própria de vodu, encontrada no Hakkari de Zul'Gurub, com feiticeiros, objetos de culto malévolo e bonecos de vodu perfurados por alfinetes.

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O tempo de Zul'Gurub, em World of Warcraft, tem médicos, bebedores de sangue, mandingas e bonecos de vodu

Representações como essas são parte da resposta que muitas pessoas dariam se convidadas a descrever o vodu. Algumas pessoas também falariam em possessão espiritual e sacrifício de animais. Muitas poderiam se referir a um lugar específico - em geral ilhas do Caribe, como o Haiti ou Jamaica, ou o sudeste dos Estados Unidos, em especial Nova Orleans e o delta do rio Mississipi.

Apesar dessas ideias que se tem sobre o vodu, muitas delas não são verdadeiras. Outras só exibem relação tangencial com a religião. No entanto, alguns oferecem um cerne real, e um deles - a possessão espiritual - ocupa papel central na religião vodu.

Uma Nota sobre Nomes

Alguns dos estudiosos e praticantes preferem grafias alternativas, como voduísmo, vodu, vodum ou vuduísmo, em parte para diferenciar a religião dos estereótipos.

De acordo com a tradição vodu, existe um deus supremo, conhecido por nomes diferentes em diferentes partes do mundo. No Haiti, por exemplo, o nome é Bondye, que deriva de bon dieu, ou "bom deus", em francês. Independentemente do nome que as pessoas venham a usar, esse deus primário é imensamente poderoso e não está alcance dos seguidores comuns do culto. Por esse motivo, os adeptos do vodu dependem de centenas de milhares de outros espíritos para se comunicar com o deus.

Esses espíritos são conhecidos como loa ou lwa, no Haiti; os antropólogos que escrevem sobre o vodu africano frequentemente se referem a eles como espíritos ou deuses. Esses deuses existem organizados em uma hierarquia. Há loas grandes e poderosos, em honra de alguns são celebrados feriados comemorativos e festas religiosas. Há também espíritos menores, que desempenham diferentes papéis em diferentes regiões. Comunidades e até mesmo famílias têm loas próprios, como os espíritos de pessoas amadas ou membros influentes da família ou comunidade. Os loas recebem seus poderes de deus, e se comunicam com ele em nome dos fiéis.

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Foto cortesia Mami Wata Healers Society of North America Inc.,
Uma cerimônia vodu no Togo, África

Durante as cerimonias e cultos, os seguidores do vodu solicitam conselho, protecção ou assistência aos espíritos. O processo é recíproco; os seguidores devem proteger os loa por meio de rituais, que ocasionalmente envolvem o sacrifício de animais. Outros rituais permitem que os adeptos agradeçam os espíritos pela protecção, bênção ou boa sorte. Para manter um bom relacionamento com os loas, os seguidores precisam se comportar devidamente, de acordo com os costumes da comunidade e da religião. Dessa forma, a prática do vodu pode influenciar as decisões e actividades quotidianas de uma pessoa.

Parte da crença vodu é que os loas se comunicam com os seguidores por meio da possessão. O loa temporariamente desaloja a alma da pessoa que o hospeda, ou médium, e toma o controle de seu corpo. De acordo com essa crença, o médium não sente dor e não pode ser ferido enquanto está possuído. O loa fala por intermédio do médium, muitas vezes oferecendo instruções, conselhos ou profecias sobre futuros eventos. Ocasionalmente, um loa repreende os seguidores por não terem executado seus deveres para com o loa, suas famílias ou a comunidade. De acordo com certas traduções do vodu, apenas algumas de selectas pessoas podem se tornar médiuns. Já outras tradições dispõem que um loa possa escolher quem deseja possuir, a qualquer momento.

Essa ideia - a de que espíritos poderosos ou influentes são capazes de influenciar pessoas - une duas formas distintas de vodu. Uma existe primordialmente nas porções setentrional e central da costa oeste da África. A outra é praticada primordialmente no Haiti, bem como em partes da América do Norte e do Sul. Livros que tratam de qualquer das duas formas em geral explicam a religião por meio de uma série de relatos ou histórias, sem uma análise rigorosa. Há diversos motivos para isso:

* o vodu é uma tradição oral, sem um texto sagrado primário, um livro de orações ou conjunto compulsório de rituais e crenças. Em diferentes regiões, as práticas de vodu, os nomes dos deuses e outros traços podem variar consideravelmente;
* a religião também emprega diversos rituais e observações que afectam as vidas quotidianas dos seguidores, tornando impossível determinar uma lista clara de rituais e normas;
* de muitas maneiras, o vodu é uma religião personalizada. Os seguidores têm experiências directas com os espíritos e loas, e essas experiências podem ser dramaticamente diferentes de lugar a lugar e de pessoa a pessoa.


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Vodu africano

Vodu africano

O vodu se originou nos reinos africanos de Fon e Congo, talvez há seis mil anos. A palavra "vodu" vem do idioma fon, no qual ela significa "sagrado", "espírito", "divindade". Outras palavras usadas no vodu hoje em dia também vêm dos idiomas fon e congo. Por exemplo, uma sacerdotisa vodu muitas vezes porta a designação mambo ou manbo. Trata-se da combinação da palavra fon para "mãe" ou "amuleto mágico" com a palavra congo para "cura".


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Map of Africa: Benin, Ghana, Togo

O reino fon se localizava na região sul do actual Benin, definida por alguns antropólogos como "o berço do vodu". As pessoas também praticam o vodu no Togo, Gana e outros países do noroeste africano. Aproximadamente 30 milhões de pessoas no Togo, Gana e Benin praticam o vodu hoje [fonte: National Public Radio: Radio Expeditions (em inglês)]. O vodu também é a religião oficial de Benin, onde 60% dos habitantes são seguidores [fonte: BBC (em inglês)].

Já que o vodu representa primordialmente uma tradição oral, os nomes dos deuses, bem como as características dos principais rituais, podem mudar de região para região ou geração para geração. No entanto, o vodu africano ostenta diversas qualidades consistentes, não importa onde seja praticado. Além da crença em múltiplos deuses e em possessão espiritual, elas incluem:

* veneração de ancestrais;
* rituais ou objectos usados para conferir protecção mágica;
* sacrifícios de animais para demonstrar respeito por um deus, conquistar-lhe os favores ou agradecer;
* o uso de fetiches, ou objectos cujo propósito é conter a essência do poder de determinados espíritos;
* danças cerimoniais, que muitas vezes envolvem trajes e máscaras elaborado;
* música e instrumentos cerimoniais, incluindo especialmente tambores;
* adivinhação profética pela interpretação de atividades físicas, como jogos de sementes ou búzios, ou a seleção de pedras de determinadas cores dispostas em torno de uma árvore;
* a associação de cores, comidas, plantas e outros itens a loas específicos, e o uso desses itens para prestar tributo ao loa.

Muitos desses traços, especialmente o culto aos ancestrais, o politeísmo e a importância da música e dança são importantes também em outras religiões africanas. Dessa forma, na prática o vodu se assemelha bastante a diversas outras religiões africanas tradicionais. Muitos dos cultos tem um aspecto de celebração, além do serviço religioso, incorporando música bem ritmada, dança e cânticos. Muitos rituais aproveitam ambientes naturais, como rios, montanhas e árvores. Por meio da decoração e consagração, objectos de uso quotidiano como panelas, garrafas ou porções de animais abatidos se tornam objectos sagrados, de uso ritual.

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Foto cortesia Herbert Hoover Presidential Library and Museum
Este altar vodu incorpora bonecas, garrafas e objetos comuns

Em certas partes da África, as pessoas que desejam se tornar líderes espirituais na comunidade vodu podem se inscrever em centros religiosos, semelhantes a conventos ou mosteiros. Em algumas comunidades, os iniciados morrem simbolicamente, passando três dias e noites em completo isolamento, antes de voltar ao mundo exterior.

Os iniciados aprendem os rituais, cores, alimentos e objectos associados às diferentes divindades, bem como maneiras de se comunicar com os loas. Os espíritos têm diferentes personalidades e diferentes requerimentos quanto aos seus seguidores, mais ou menos como os deuses na mitologia grega e romana.

Algumas pessoas associam o vodu ao mal, mas muitos de seus rituais, até mesmo aqueles que incluem o sacrifício de animais, pretendem passar a idéia de respeito e paz. Os líderes religiosos do culto se tornam líderes comunitários, oferecendo orientação e resolvendo disputas. Os sacerdotes, sacerdotisas e outros praticantes dedicam seu trabalho a ajudar os outros, e tratar de seus problemas.

Os líderes também frequentemente oferecem cuidados médicos, na forma de medicina tradicional. Maldições, feitiçaria e encantos de objectivo malévolo se enquadram em uma categoria conhecida como bo. No entanto, a maior parte dos antropólogos concordam em que os líderes do vodu têm conhecimentos sobre o bo, que constitui uma disciplina separada, baseado na crença de que é preciso compreender para combater a prática.

Feiticeiros conhecidos como botono, e não sacerdotes ou sacerdotisas de vodu, são supostamente os conhecedores dos encantamentos malévolo mais poderosos. Em alguns casos, porém, há pessoas que são sacerdotes e botonos ao mesmo tempo, dependendo da situação.

Essa forma africana de vodu é precursora da praticada no Haiti e em outras partes do Hemisfério Ocidental. As regiões da África em que o vodu prosperou também são regiões de origem de forte tráfico de escravos. A escravidão levou o vodu à América. Na próxima página, veremos as mudanças que aconteceram com o vodu do lado oposto do Atlântico.

O Bebê Poderoso

Em muitas comunidades vodu, as pessoas consideram os gêmeos como sagrados. De acordo com a tradição, cada gémeo porta metade da alma de seu par. Caso um gémeo morra, o outro muitas vezes carrega com ele um boneco duplo, que porta o espírito do irmão perdido. No vodu haitiano, os gémeos têm poderes especiais que podem ser perigosos, e uma cerimonia dedicada ao loa Dossou impede que eles causem o mal. No Benin, os gémeos também simbolizam fertilidade.


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Vodu haitiano

Vodu haitiano

Nas colônias das Américas, o vodu africano se tornou o que conhecemos hoje como vodu haitiano. Em 1492, Cristóvão Colombo desembarcou em uma ilha que era conhecida por seus habitantes (a tribo taino) como Ayiti, ou "Terra das Montanhas".

Colombo mudou o nome da ilha para Hispaniola, ou "Pequena Espanha". Os primeiros colonos começaram a criar plantações que se tornaram fontes importantes de safras como açúcar, café e indigo. Para tornar lucrativas essas plantações, os colonizadores dependiam pesadamente de mão-de-obra escrava. Hispaniola seria depois dividida entre dois países, o Haiti e a República Dominicana.

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Caribbean islands with Haiti detail

Muitos dos escravos levados à Hispaniola do centro e norte da África nos séculos 16 a 18 praticavam o vodu. Mas o código de escravatura da ilha exigia que todos os escravos fossem batizados como cristãos. A conversão forçada teve grande influência sobre o vodu. Já que os escravos ficaram proibidos de observar abertamente os costumes de sua religião, tomaram de empréstimo diversos elementos do catolicismo a fim de proteger suas práticas espirituais. O processo, conhecido como sincretização, influenciou fortemente o vodu do Haiti:

* os nomes dos santos católicos se tornaram nomes de loas. Em muitos casos, o papel de um loa refletia o do santo correspondente. Por exemplo, São Pedro detém as chaves para o reino dos céus, e corresponde ao loa Papa Legba, o guardião dos portais do mundo dos espíritos;
* os feriados religiosos católicos se tornaram feriados vodus para os loas correspondentes. Por exemplo, a celebração de uma família de espíritos conhecidos como Gedes, personificações de ancestrais mortos, ocorre no Dia de Todos os Santos e Dia dos Mortos;
* as cruzes cristãs se tornaram símbolos das encruzilhadas, que representam escolhas que mudam a vida e marcos no percurso espiritual dos seguidores do vodu;
* os hinos e orações católicos se tornaram parte dos rituais do vodu.

Diversas outras influências também afetaram o vodu, entre as quais as tradições das tribos taino locais.

A forma resultante de vodu é uma religião em forma creole, que abarca influências de diversas outras religiões. Mas, a despeito desses acréscimos, o vodu haitiano se assemelha fortemente ao vodu africano. As sacerdotisas, conhecidas como mambos, e os sacerdotes, conhecidos como houngans, conduzem serviços religiosos e oferecem medicamentos folclóricos tradicionais.

As pessoas que desejam se tornar mambos ou houngans muitas vezes iniciam um aprendizado como iniciados orientados por outros líderes, em lugar de por meio de estudos em um centro religioso de maior escala. Muitas das cerimonias acontecem em uma estrutura conhecida como honfour, que serve como templo ou santuário.

Como na África, a possessão é parte importante do vodu haitiano. A pessoa que está sendo possuída é muitas vezes definida como um cavalo, que é montado pelo loa que está se manifestando. A pessoa possuída pode se mover de maneira estranha, falar línguas incompreensíveis ou fazer declarações claras e directas a outros dos fiéis.

O sacrifício também é importante, e muitas cerimonias envolvem o sacrifício de cabras, galinhas e outros animais. Em muitos casos, a combinação entre possessão, sacrifício animal, dança e música, rituais que as acompanham, pode parecer dramática ou até assustadora para observadores não-familiarizados.


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Voodoo ritual objects
Objectos rituais de vodu à venda em Porto Príncipe, Haiti

O vodu haitiano também incorpora indumentarias, objectos e decorações para invocar ou demonstrar respeito aos loa. Os chamados pacotes congo, ou pacotes medicinais, contêm ervas e implementos medicinais e curativos.

Os devotos levam com eles bandeiras chamadas drapo, quando vão às áreas de culto, a fim de demonstrar veneração e respeito pelos espíritos. Para invocar e apelar aos loas, as pessoas tocam diversos tipos de tambores, sinos e chocalhos.

Os altares abrigam diversos objectos rituais, tais como garrafas decoradas, bonecas e kwi, ou cabaças repletas de oferendas de comida. Os devotos usam as bonecas como forma de contactar loas específicos, ou o mundo espiritual em geral, e não para infligir dor e sofrimento a terceiros. Hoje, muitos dos objectos se tornaram parte da arte e do artesanato haitiano. Alguns artistas haitianos, por exemplo, se concentram na criação de efígies de diferentes loas, drapos elaborados ou objectos rituais sumptuosamente decorados.


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Illustration of a zombie
Ainda que comuns no folclore haitiano, os zumbis não são tipicamente parte das práticas do vodu.

Como no vodu africano, mambos e houngans em geral não amaldiçoam ou causam mal a terceiros. Mas alguns devotos acreditam que bokors, ou feiticeiros, têm a capacidade de usar mágica para causar infortúnios ou ferimentos.
Os bokors também são parte do folclore relacionado a zumbis - há quem acredite que um bokor pode usar venenos e capturar a alma de uma pessoa, a fim de criar um zumbi.

O vodu é parte importante das vidas quotidianas de muitos haitianos. As estimativas variam, mas em geral os antropólogos acreditam que mais da metade dos haitianos praticam o vodu. A religião também desempenhou papel importante na história haitiana. A Revolução Francesa de 1789 deflagrou revoluções em diversas outras regiões do mundo, por exemplo diversas colônias na América.

Em 1797, um sacerdote vodu realizou uma cerimonia em Bois Caiman, nas montanhas do Haiti. A cerimonia prefaciou uma revolta de escravos que durou até 1804, e o povo haitiano combateu exércitos enviados pela Espanha, França e Reino Unido. Por fim, o Haiti se tornou a primeira colónia negra a conquistar a liberdade na América. A cerimonia em questão e sua importância para o levante causam certas controvérsias, mas elas se tornaram parte do folclore haitiano.

O vodu é praticado de maneira ampla e aberta no Haiti. Também existe em diversas formas em Nova Orleans e no sudeste dos Estados Unidos. Em certos casos, o vodu praticado em outras partes do hemisfério ocidental se combina a tradições diferentes mas assemelhadas, práticas pagãs ou outros costumes.

No entanto, em algumas regiões práticas conhecidas como hoodoo sobrepujaram o vodu, aos olhos do público. Acredita-se que os praticantes de hoodoo usem magia negra, conhecida como bad juju, para prejudicar outras pessoas. Poções de amor, maldições e métodos de vingança em geral são práticas relacionadas ao hoodoo e não têm qualquer relação com o vodu.

A confusão com o hoodoo é apenas uma das razões para que o vodu seja controverso. Na próxima página, estudaremos algumas outras.

Vodu e Levantes

Cerimônias de vodu podem ter desempenhado um papel em levantes de escravos nos séculos18 e 19. Nos EUA, um escravo chamado Gullah Jack, considerado um feiticeiro, ajudou a planear uma rebelião de escravos na Carolina do Sul.


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