Coimbra: Paço das Escolas apagou-se para deixar brilhar as estrelas
Em cima de uma mesa, a apontar para um reclamo luminoso de um hotel, a vários quilómetros de distância, estava a jóia da coroa: uma réplica da luneta usada por Galileu em 1609. Pedro Feio, 30 anos, astrónomo amador, põe-se na pele do físico italiano e sugere: “Galileu deve ter-se sentido muito mal, porque já devia estar a pensar como é que iria enfrentar a Igreja Católica”.
Estamos no Paço das Escolas, junto à Torre da Universidade de Coimbra, o local escolhido para mostrar a todos os interessados uma réplica do objecto com o qual Galileu Galilei descobriu as manchas solares e as montanhas da Lua, que o remeteram para a lista negra da Inquisição romana.
O público aproxima-se da luneta, sem medos. O monitor, Gilberto Pereira, vai perguntando: “A imagem está aumentada quantas vezes? O que é que acha?”. A resposta certa é “dez vezes”. Parece pouco, mas para Galileu foi o suficiente para estudar os astros e defender a teoria do heliocentrismo, que punha o Sol no centro do sistema solar e não a Terra, como defendia a Igreja Católica. “Já conhecia a luneta. Não é muito interessante para observar, mas é interessante enquanto instrumento em si, porque foi a partir daqui que tudo começou”, diz Pedro Feio, que pertence à associação de astronomia Alpha Centauri.
Foram, precisamente, as observações de Galileu, há 400 anos, que motivaram a organização de um Ano Internacional da Astronomia (AIA), que se celebra este ano – o mesmo em que se comemoram os 40 anos da chegada do homem à Lua – e que conta com uma série de iniciativas. Uma delas decorreu ontem à noite no Paço das Escolas, que ficou às escuras para promover a acção “Noite das Estrelas”.
A Terra, vista do espaço, é uma bola azul que, durante a noite, se transforma numa esfera iluminada. Os grandes aglomerados urbanos e as grandes metrópoles mundiais projectam a sua luminosidade para o espaço, causando poluição luminosa. Ao longo das últimas décadas, os astrónomos têm alertado para este problema, que faz com que as pessoas fiquem privadas de ver a riqueza astronómica por cima das suas cabeças.
A boa e a má iluminação
A iniciativa “Noite das Estrelas” serviu para alertar para este fenómeno da poluição luminosa pedindo a diversas autarquias nacionais alguns “apagões simbólicos”. Em Lisboa apagaram-se as luzes públicas de Belém e do Observatório Astronómico. No Porto ficou às escuras a Praça Parada Leitão e, em Braga, o Santuário do Bom Jesus.
Carlota Simões, da direcção do Museu da Ciência de Coimbra – um dos parceiros do AIA –, explica ao PÚBLICO o objectivo da iniciativa: “Esta ‘Noite das Estrelas’ é uma iniciativa da Comissão Nacional do Ano Internacional da Astronomia, para alertar as populações para a poluição luminosa. Queremos pôr as pessoas a olhar para o céu para perceberem que está ali uma enorme riqueza que se está a perder. Foi por isso que se lançou o desafio a todos os países participantes neste AIA para que apagassem as luzes das cidades, em espaços emblemáticos dos municípios, para as pessoas poderem olhar para o céu dentro as próprias cidades”.
Uma grande fatia da poluição luminosa que actualmente paira por cima das cidades poderia ser diminuída com uma iluminação correcta. Em vez de apontarem para os lados e para cima, bastava que os candeeiros das cidades apontassem para baixo e iluminassem apenas as áreas pretendidas para que se diminuíssem os níveis de poluição luminosa. “A luz emitida para cima e para os lados reflecte-se e difunde-se nas poeiras e fumos em suspensão no ar, tornando o céu nocturno mais claro”, alerta a organização do AIA. As consequências deste desperdício são múltiplas, incluindo uma maior actividade das centrais térmicas (o que consome mais recursos e lança mais dióxido de carbono na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global) e um desequilíbrio dos ecossistemas nocturnos.
“É urgente optimizar a iluminação pública, em termos energéticos, mantendo apesar disso bons níveis de iluminação no solo. A ponte Vasco da Gama é um excelente exemplo de uma iluminação adequada”, indica ainda a organização do AIA.
Convidando as pessoas a apreciarem a vista nocturna sobre Coimbra, fazia igualmente parte da iniciativa “Noite das Estrelas” uma subida gratuita à Torre da Universidade (normalmente encerrada ao público) e o espectáculo "Setestrelo" – da responsabilidade do Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra –, que levava os presentes a “performances culturais” em “sete actos”, tantos quantas estrelas brilhantes tem a Ursa Maior.
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