"Fiz parte do conhecido pelotão com sorte"
Combateu em Angola
No meu grupo não houve baixas mas sofremos muitas emboscadas. Numa deslocação encontramos camaradas mortos devido à explosão de uma mina.
Estávamos no final de 1973 e já não ia passar o fim-de-ano com a família. A partida para Angola estava marcada para 28 de Dezembro. Já namorava com aquela que viria a ser a minha esposa. Custou a ir mas tinha de ser, não se podia dizer que não à Pátria. Eu era apontador de morteiro, uma arma de tiro curvo e fogo potente capaz de abater alvos desenfiados ou em contra-encosta. Tinha de regular onde a granada iria cair e mandar tudo pelos ares.
Utilizávamos morteiros 10,7 e as principais preocupações começavam por ter uma boa posição de tiro, com facilidade de camuflagem para não denunciar a nossa posição e com rápida actuação. Era um trabalho de equipa entre o apontador e o municiador, para dar a um morteiro os correctos elementos de tiro, como ponto de pontaria, direcção, ângulo de tiro, número de tipo de granadas a preparar, espoleta a usar, carga a empregar e desencadeamento de velocidade do tiro. Disparei centenas de vezes e não sei se provoquei mortos, mas causei muita mossa.
Éramos 33 homens no meu pelotão. Da minha região havia dois, o Avelino Brites, de Fervença, Alcobaça, e o José António, de Peniche. Entre outros, lembro-me do Abaças (Trás-os-Montes), do Elvira, que guiava as Berliers, do Cristóvão, do José Ferreira (Entroncamento), do José Serrenho (Algarve), do Freitas (Aveiro), todos soldados. Os graduados eram os furriéis Teixeira e João de Deus, e o alferes Luís era quem comandava o pelotão
Partimos de Lisboa num avião Boeing 747 e depois de aterrarmos no aeroporto em Luanda as primeiras imagens eram de um cenário diferente ao que estava habituado – vegetação abundante, da qual sobressaíam as árvores de copa abundante. Pelas ruas sem passeios, corriam atrás de nós miúdos pretinhos, quase todos iguais.
O calor apertava e nas camaratas enfiámo-nos debaixo dos chuveiros de água fria. O fardamento de Inverno foi trocado por calções e camisa de manga curta, que em cuecas não se podia andar.
Os primeiros quinze dias em Angola foram passados no Grafanil, até sermos destacados para Sanza Pombo, no Uíje, no extremo norte do país. Era mesmo mato, onde tivemos guerra a sério. Todos os dias ouvíamos tiros e estávamos à coca nas casernas. Fazíamos patrulhas e vigias, e escoltávamos as viaturas de reabastecimento aos camaradas de outros postos.
Em finais de Março de 1974 sofremos um ataque quando estávamos em Quicua. Vigiávamos um aquartelamento e de repente, do outro lado do rio Cuango, no Zaire, começaram a disparar morteiros. A maior parte caiu dentro de água e os outros causaram alguns estragos, mas ninguém ficou ferido. Ripostámos também com morteiros, sem saber se acertávamos.
Trocávamos a cada duas semanas de sítio, entre Sanza Pombo, Quicua e Quimariamba. Numa das deslocações encontrámos camaradas nossos de uma companhia de cavalaria que tinham sido alvo de uma emboscada. Vi, pelo menos, dois soldados mortos. Foi o resultado da explosão de uma mina.
Ao nosso pelotão nunca aconteceu nada. Não tivemos baixa nenhuma. Fiz parte do conhecido ‘pelotão com sorte’, como nos designávamos. Já estávamos saturados de estar no meio do calor, a comer todos os dias massa e arroz e cheios de saudades da Metrópole. Receber uma carta era uma alegria e dava-nos mais ânimo.
No mato não sabíamos o que se passava em Portugal, mas ficámos logo a saber que tinha havido a Revolução dos Cravos. Os turras, que dantes eram o nosso inimigo, já não eram os nossos adversários, mas ainda andámos alguns tempos com a espingarda aos ombros e com olhos de desconfiança.
Depois do 25 de Abril de 1974, as operações cingiam-se a acções de reconhecimento e uma das ocorrências mais marcante foi quando caiu uma avioneta que transportava o correio, que aterrou mal na areia e partiu uma roda, em Quimariamba. O piloto, que ia sozinho, ficou ferido.
Os últimos seis meses em Angola foram passados em Luanda, na Fortaleza de São Miguel. No penúltimo dia de permanência fomos apanhados no meio de um tiroteio entre o Movimento Popular de Libertação de Angola e a Frente Nacional de Libertação de Angola. Não era nada connosco mas tivemos de andar debaixo de carros para escapar aos tiros.
Estava a ver que era na despedida que as coisas iam correr mal. Mas todo o pelotão, tal qual como chegou a Angola, regressou à Metrópole, são e salvo. Desta vez de barco. Partimos a 9 de Maio de 1975 e chegámos a Lisboa a 22 do mesmo mês.
DE SOLDADO A CAMIONISTA
António da Fonseca Garcia é natural das Caldas da Rainha. Fez a quarta classe e antes de ingressar na vida militar era empregado de balcão, tarefa que desempenhava desde os 13 anos. Quando regressou de Angola, tornou-se motorista de pesados na empresa de produção de cimento Cimpor, até se reformar. É dono do café Favo de Mel, nas Caldas da Rainha. Casou-se com 24 anos e tem dois filhos, de 19 e 31 anos, e uma neta de 16 meses. Na guerra cruzou-se com António Feliciano, que viria a ser seu cunhado. Na altura namorava com a irmã da sua futura esposa.
António Garcia - Angola 1973/75