“Fui castigado com cinco dias de detenção”
A Minha Guerra
No Pelundo, com o irmão Arménio, o amigo Rodrigo Borges (ainda hoje amigos e companheiros de caça),a ‘mascote’ Mussá Seidi e outro camarada, em Julho de 1972
Discordei de uma ordem mal dada por um oficial e cheguei a vias de facto. castigaram-me fazendo honras a Spínola – e senti-me honrado
Guardo na memória uma operação na região de Badã, na Guiné, a 4 de Março de 1972. Ao tomarmos de assalto um acampamento que, supostamente, seria depósito de armamento com destino à zona do Churo, já durante a acção de busca e recolha - e quando já estávamos a preparar toda a segurança para a retirada -, somos atacados, do outro lado, por tiros de Kalashnikov, lança-granadas, foguetes e morteiros. Do confronto resultaram dez feridos. Felizmente saí ileso. Valeu-nos a intervenção do apoio aéreo, quer na evacuação dos feridos - altura em que sofremos nova flagelação -, quer no que respeita a conter a acção inimiga no regresso ao aquartelamento, para que as repercussões não tivessem sido maiores.
ESCAPEI À EMBOSCADA
Tinha chegado à Guiné a 28 de Dezembro de 1971, para substituir um furriel miliciano falecido numa emboscada quando se preparava para vir de férias à Metrópole. Nunca confirmei este facto, pois entretanto fui requisitado para Jolmete, tendo assim ficado mais perto do meu irmão Arménio - também ele mobilizado um ano antes para este teatro de guerra.
Foi precisamente perto do aquartelamento de Jolmete que, a 20 de Abril de 1970, teve lugar o assassinato dos três majores e do alferes que estariam a negociar o fim das hostilidades no Chão Manjaco. Após o regresso do Batalhão à Metrópole, por ter terminado a comissão, sou colocado no Depósito de Adidos em Brá, onde permaneci mais um ano.
Para além do serviço na Secção de Justiça, como escrivão, tinha também periodicamente a missão de fazer de sargento de dia à Casa de Reclusão Militar. Um dia, no render da guarda, tinham desaparecido 12 reclusos, que, entretanto, estranhamente voltaram. Outro dia, desapareceram mais cinco. E voltaram a aparecer. Nunca cheguei a saber por onde os presos fugiam. Só sei que saíam para ir ao Pilão, a Bissau (às ‘meninas'). A partir desse dia combinei com um dos presos para fazer uma ‘escala de saída', com a condição de todos estarem presentes ao render da guarda. Nunca mais me faltou nenhum recluso.
Quando eu já estava a escassos três meses de acabar a minha comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial - o que mais tarde viria a ser confirmado - e, depois de ter chegado a vias de facto, fui castigado com cinco dias de detenção. Foi-me dito, na altura , pelo então comandante do Depósito de Adidos, que eu tinha razão, "mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa" e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida. Fui ainda castigado com a missão de fazer a guarda de honra ao general Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento - o que para mim foi uma honra.
Lembro-me que no final de 1973 era já grande a tensão que se vivia. Também me recordo de Bissau começar a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da periferia. Avisaram-nos, na mesma altura, da possibilidade de podermos sofrer um ataque aéreo. E tudo isto ditava que o fim estava próximo.
Regressei a Portugal no dia 22 de Dezembro de 1973, com 24 meses de comissão. Não posso considerar que a minha passagem pela Guiné tenha sido das piores. Passei por bons e maus momentos. E durante a guerra fiz amizades que perduram até aos dias de hoje, como é o caso do Rodrigo Borges, meu companheiro da caça há muitos anos.
PERFIL
Nome: Augusto Silva Santos
Comissão: Guiné (1971/73)
Força: B. Caç. 3833/C. Caç. 3306 e Depósito de Adidos/Brá
Actualidade: Vive em Almada, 60 anos, empresário reformado, casado, com duas filhas e uma neta
A Minha Guerra
No Pelundo, com o irmão Arménio, o amigo Rodrigo Borges (ainda hoje amigos e companheiros de caça),a ‘mascote’ Mussá Seidi e outro camarada, em Julho de 1972
Discordei de uma ordem mal dada por um oficial e cheguei a vias de facto. castigaram-me fazendo honras a Spínola – e senti-me honrado
Guardo na memória uma operação na região de Badã, na Guiné, a 4 de Março de 1972. Ao tomarmos de assalto um acampamento que, supostamente, seria depósito de armamento com destino à zona do Churo, já durante a acção de busca e recolha - e quando já estávamos a preparar toda a segurança para a retirada -, somos atacados, do outro lado, por tiros de Kalashnikov, lança-granadas, foguetes e morteiros. Do confronto resultaram dez feridos. Felizmente saí ileso. Valeu-nos a intervenção do apoio aéreo, quer na evacuação dos feridos - altura em que sofremos nova flagelação -, quer no que respeita a conter a acção inimiga no regresso ao aquartelamento, para que as repercussões não tivessem sido maiores.
ESCAPEI À EMBOSCADA
Tinha chegado à Guiné a 28 de Dezembro de 1971, para substituir um furriel miliciano falecido numa emboscada quando se preparava para vir de férias à Metrópole. Nunca confirmei este facto, pois entretanto fui requisitado para Jolmete, tendo assim ficado mais perto do meu irmão Arménio - também ele mobilizado um ano antes para este teatro de guerra.
Foi precisamente perto do aquartelamento de Jolmete que, a 20 de Abril de 1970, teve lugar o assassinato dos três majores e do alferes que estariam a negociar o fim das hostilidades no Chão Manjaco. Após o regresso do Batalhão à Metrópole, por ter terminado a comissão, sou colocado no Depósito de Adidos em Brá, onde permaneci mais um ano.
Para além do serviço na Secção de Justiça, como escrivão, tinha também periodicamente a missão de fazer de sargento de dia à Casa de Reclusão Militar. Um dia, no render da guarda, tinham desaparecido 12 reclusos, que, entretanto, estranhamente voltaram. Outro dia, desapareceram mais cinco. E voltaram a aparecer. Nunca cheguei a saber por onde os presos fugiam. Só sei que saíam para ir ao Pilão, a Bissau (às ‘meninas'). A partir desse dia combinei com um dos presos para fazer uma ‘escala de saída', com a condição de todos estarem presentes ao render da guarda. Nunca mais me faltou nenhum recluso.
Quando eu já estava a escassos três meses de acabar a minha comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial - o que mais tarde viria a ser confirmado - e, depois de ter chegado a vias de facto, fui castigado com cinco dias de detenção. Foi-me dito, na altura , pelo então comandante do Depósito de Adidos, que eu tinha razão, "mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa" e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida. Fui ainda castigado com a missão de fazer a guarda de honra ao general Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento - o que para mim foi uma honra.
Lembro-me que no final de 1973 era já grande a tensão que se vivia. Também me recordo de Bissau começar a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da periferia. Avisaram-nos, na mesma altura, da possibilidade de podermos sofrer um ataque aéreo. E tudo isto ditava que o fim estava próximo.
Regressei a Portugal no dia 22 de Dezembro de 1973, com 24 meses de comissão. Não posso considerar que a minha passagem pela Guiné tenha sido das piores. Passei por bons e maus momentos. E durante a guerra fiz amizades que perduram até aos dias de hoje, como é o caso do Rodrigo Borges, meu companheiro da caça há muitos anos.
PERFIL
Nome: Augusto Silva Santos
Comissão: Guiné (1971/73)
Força: B. Caç. 3833/C. Caç. 3306 e Depósito de Adidos/Brá
Actualidade: Vive em Almada, 60 anos, empresário reformado, casado, com duas filhas e uma neta
Por: Augusto Silva Santos, Guiné (1971/1973)