Luís Avelãs - Ciclismo: roleta-russa da hipocrisia
Tinha prometido não voltar a escrever sobre ciclismo, pois gosto da modalidade, mas não suporto a mentira em que está envolvida há anos. Mas, os últimos acontecimentos em Portugal - com as autoridades a denunciarem uma autêntica pouca vergonha numa pseudo-equipa - obrigam-me a quebrar a promessa.
Não estou surpreendido com o que veio a lume. Não acredito, aliás, que alguém esteja. Ciclistas, directores-desportivos, médicos, dirigentes, patrocinadores e os jornalistas que acompanham a modalidade sabem muito bem o que se passa antes e depois das provas. Pode não ser fácil reunir provas, mas não tentem enganar-nos. Chamar desporto ao ciclismo, hoje em dia, é um exagero. E antes de ser acusado de só ter "olhos" para esta realidade, admito que o "doping" também existe noutras modalidades. Duvido muito é que a percentagem de utilizadores seja tão grande e que o seu grau de "sofisticação" na arte da mentira seja tão elevado. Alguém consegue dizer um nome de uma recente primeira figura que não tenha sido apanhado ou, pelo menos, sobre quem não recaiam fortes suspeitas?
Assobiar para o lado e mostrar indignação sempre que algum atleta (ou equipa) é relacionado com a prática de "doping" não passa de hipocrisia. Em Portugal, Espanha, Itália, França ou qualquer outro país onde a modalidade existe com alguma expressão, só as crianças e quem não vê televisão, ouve rádio ou lê jornais pode dizer desconhecer a podridão em que funciona um antigo desporto de eleição que, hoje em dia, não passa de uma farsa.
Mas, pior que a competição estar adulterada à partida - dificilmente um atleta "limpo" pode ter sucesso entre um pelotão de batoteiros que ingere todos os químicos possíveis e imaginários -, os infelizes que entram nesta espiral de desgraça parecem não entender o que se passa à sua volta. A maioria dos corredores, a troco de uns euros e da possibilidade de mediatismo momentâneo, não se apercebe que são meros fantoches nas mãos de criminosos que os utilizam como verdadeiras cobaias. Se ninguém colocar termo a isto, qualquer dia as equipas serão todas patrocinadas por laboratórios farmacêuticos!
Tenho pena dos poucos atletas (e das equipas) honestos que restam. Mas, deviam ser esses os primeiros a gritar bem alto o nome dos enganadores que, depois de alguns anos de prática velocipédica, conhecem melhor os truques para iludir os controlos do que propriamente as estradas em que pedalam. Hoje, mais do que questionar quem recorre ou não às drogas, a pergunta certa é saber quando é que a máscara cai. Depois, é a hora do "choradinho", do arrependimento, do pedido de desculpas...
E tudo isto teria uma importância relativa (em teoria cada um é livre de fazer o que quer ao seu corpo) se, por vezes, o preço a pagar não fosse tão alto. Um ciclista que recorre regularmente ao uso do "doping" joga a mesma roleta-russa que um anónimo toxicodependente. Até um dia...