Martin Luther King: Os 50 anos de «I Have a Dream»
O que distingue o célebre discurso “I Have a Dream”, que
Martin Luther King proferiu há 50 anos, é que “é uma grande peça da oratória cívica democrática, e não marketing político”, sublinha o investigador José Luís Garcia.
Inquirido pela Lusa sobre a importância dessa mensagem de Luther King, emitida a 28 de agosto de 1963, no Lincoln Memorial, em Washington, num tom profético que utilizava por pensar que poderiam ser as suas últimas palavras, tal era a frequência das ameaças de morte que recebia por defender a igualdade racial nos Estados Unidos, o professor da Universidade de Lisboa foi contundente: “‘I have a dream’ não é um ‘slogan’, é a primeira enunciação de um discurso com muito sentido que tem a ressonância da voz comunitária”.
“Este é um discurso muito importante por aliar um conteúdo forte com uma retórica extraordinária”, defendeu o académico, doutorado em Ciências Sociais e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Esse conteúdo “advém da invocação dos próprios princípios democráticos dos Estados Unidos da América, isto é, limita-se a dizer algo que hoje em dia nos parece muito óbvio, e que é: a população negra é cidadã daquele país e, como cidadã daquele país, tem de estar num plano claro de igualdade de oportunidades, no plano político, no plano cívico, no plano social”, frisou.
Para José Luís Garcia, o que o discurso do prémio Nobel da Paz 1964 conseguiu foi “transformar aquilo que aparecia muitas vezes como apenas uma promessa, como uma espécie de situação hipócrita – ‘nós temos estas ideias, mas não as passamos à prática’ – numa plataforma para ser posta em prática, ou seja, rompeu com a hipocrisia da sociedade norte-americana”.
“E é um discurso que trabalha muito bem isso, porque, numa altura em que havia discursos muitíssimo radicais, este não é radical nos conteúdos que exige, não pode ser classificado como um discurso marxista, ou um discurso comunista: é um discurso democrata e liberal que a única coisa que diz é ‘passemos do discurso à prática’, ou seja, sugere não uma agenda radical, mas uma agenda que, partindo das próprias promessas da democracia, deve ser atualizada”, observou.
Por outro lado, do ponto de vista retórico, referiu, trata-se de um discurso “absolutamente extraordinário, porque tem a ressonância da voz comunitária, tem uma ressonância quase religiosa e um ritmo e um conjunto de repetições na construção das frases que são imediatamente capazes de gerar emoções”.
“A própria ideia de ‘I Have a Dream’, a ideia de um sonho, é porque esse era precisamente o sonho que já existia nos Estados Unidos da América, que eram o mundo do Sonho Americano, e, portanto, o sonho era transformar o sonho em realidade”, apontou.
“A formulação de ‘I Have a Dream’, ou seja, ‘Eu tenho um sonho’, é já uma formulação de tipo poético-religioso, de tipo mítico-religioso, extremamente emotiva e com uma grande capacidade de mobilização”, e o resultado foi “um discurso emocionante, cheio de significado e claramente apreensível” que se tornou um marco na história dos Estados Unidos e transformou Martin Luther King num herói.
A passagem dos 50 anos do discurso de Luther King vai ser assinalada, na quarta-feira, no mesmo local onde o proferiu, pelo Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
[video=youtube_share;yCLCyvF9p7g]http://youtu.be/yCLCyvF9p7g[/video]