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Reformas penais protegem arguidos e esquecem as vítimas
Agentes da Justiça tecem duras críticas aos CP e CPP e acusam.
Eurico Reis, juiz-desembargador - «Usar as vítimas para combater as alterações introduzidas no CPP é vergonhoso, porventura até ignóbil»
António Pires de Lima, ex-Bastonário da OA - «Num País que tem leis dimensionadas diferentemente, conforme os destinatários, o Estado de Direito desapareceu»
Menezes Leitão, advogado - «Não me parece que da reforma tenha resultado qualquer melhoria em relação aos direitos das vítimas»
HÁ uma excessiva protecção do arguido e está-se a esquecer as vítimas. A posição é defendida por vários agentes da Justiça. Desde o Ministério Público aos agentes das magistraturas judiciais. E a verdade é que a preocupação começa, de facto, a tomar contar das mais variadas figuras do sector.
Pinto Monteiro, Procurador-Geral da República, é um dos que não se cansa de falar sobre o assunto. Recentemente, num seminário do Grupo de Gestão Pública da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social-Sedes, voltou a criticar as novas leis penais e afirmou que o novo Código de Processo Penal dá «uma excessiva protecção ao arguido» e «dificulta» a prisão preventiva, admitindo que os magistrados carecem de especialização.
Na verdade a polémica persiste e há muito também que as forças policiais insistem no assunto. António Pires de Lima, ex-Bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Eurico Reis, juiz-desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa, e Menezes Leitão, advogado, analisam a polémica.
«Não vamos esperar anos, mas meses, quiçá semanas para assistir ao festim»
Pires de Lima, ex-Bastonário da OA, corrobora a opinião de Pinto Monteiro e considera que há uma excessiva protecção do arguido e está-se a esquecer as vítimas: «até é uma evidência!». «Talvez os próximos arguidos sejam os que se pretendem ver protegidos», ironiza.
Sublinha que «as alterações introduzidas no CPP na medida em que autorizam a presença a advogado em situações várias do processo vão ser positivas. No mais são o resultado de incontinência legislativa».
Sobre o repto lançado por Pinto Monteiro, Pires de Lima discordado Procurador e refere que «os magistrados não carecem de especialização, o legislador é que necessita dela».
Questionado sobre o facto de estas alterações penais terem provocado sérios problemas de criminalidade grave ou organizada dentro de alguns anos, o advogado responde: «não corremos riscos, estamos no fio da navalha. E não vamos esperar anos, mas meses, quiçá semanas para assistir ao festim». Já no que respeita à alteração à Lei das Armas, afirma: «só um legislador sem vergonha, apenas orientado por impositores políticos é que alterava o regime de prisão preventiva na Lei das Armas. E esta última, pelo seu conteúdo, é um incentivo à clandestinidade e ilegalidade dos possuidores de armas».
E, por fim, Pires de Lima conclui: «num País que tem leis dimensionadas diferentemente, conforme os destinatários, o Estado de Direito desapareceu».
«Sensação de impunidade grassa na sociedade»
Menezes Leitão, advogado, diz que «a tutela dos direitos das vítimas é assegurada pela eficácia da investigação e da acção penal, onde o arguido deve ter as devidas garantias de defesa». «O problema tem estado precisamente na sensação de impunidade que grassa na sociedade, e essa é devida ao deficiente funcionamento do sistema de Justiça», diz.
Refere que a reforma do Código de Processo Penal foi «uma reforma precipitada, realizada sem a ponderação adequada». «Não me parece que dela tenha resultado qualquer melhoria em relação aos direitos das vítimas», constata. Considera igualmente que o problema não passa pela falta de especialização dos magistrados, mas antes pelo facto de «a reforma ter tornado mais exigentes os pressupostos para a prisão preventiva, tendo os magistrados naturalmente que aplicar a nova lei». «Precisamente, por isso, o Governo resolveu mudar a Lei das Armas para facilitar a aplicação dessa medida de coacção, em caso de crimes cometidos com armas», afirma.
Menezes Leitão alerta ainda para o aumento da criminalidade organizada no nosso País ser «um problema seríssimo, com que iremos seguramente ser ainda mais confrontados no futuro». «Naturalmente que a sensação de impunidade acima referida é um factor que a potencia seriamente. Para a combater exige-se que os órgãos de polícia criminal disponham de estruturas adequadas e tenham os meios necessários para o efeito», argumenta. E garante que a mudança da Lei das Armas «é totalmente absurda e inadequada»: «as penas para os crimes contra as pessoas devem estar no Código Penal e os pressupostos da prisão preventiva no CPP. Colocar estas matérias num diploma avulso, absolutamente marginal, é extremamente grave em termos de unidade e coerência do nosso sistema jurídico. É ainda mais grave o facto de tal ter acontecido para que não fosse assumido o recuo a que o Governo procedeu nesta matéria».
Eurico Reis, juiz-desembargador, afirma «As vitimas foram e continuam a ser meros instrumentos nas mãos do MP»
O DIABO - «Há uma excessiva protecção do arguido e está-se a esquecer as vítimas». A frase é do Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro. Concorda?
EURICO REIS - Concordo. Todavia, como já venho dizendo há anos a esta parte, esse não é um problema novo. Desconheço os textos normativos anteriores ao Código de Processo Penal de 1929 e, por isso, só posso referir-me a esse Código, com o qual ainda trabalhei enquanto juiz com competência na área criminal. E com base nessa experiência, de muitos anos, o que posso referir é que as vítimas sempre estiveram desprotegidas, sempre foram esquecidas. As vítimas foram e continuam a ser meros instrumentos nas mãos do Ministério Público (MP), quando não apenas meros objectos de prova. E o problema não se resolverá enquanto não for assumido, na lei, nas consciências e na prática quotidiana, que as vítimas são partes autónomas, com interesses legítimos distintos dos da acusação pública. Há que alargar o elenco de casos em que é possível a constituição de assistente. Mesmo nos crimes públicos.
Na sua opinião as alterações introduzidas no CPP não servem para investigar e defender a vítima, como muitos têm defendido?
Mantenho o que antes referi. Acho que usar as vítimas para combater as alterações introduzidas no Código de Processo Penal é vergonhoso, porventura até ignóbil, já que, insisto, muitas dessas pessoas nunca se preocuparam com as vítimas. Quanto aos efeitos sobre a investigação, isso é verdade, para o bem e para o mal, a investigação de certo tipo de crimes tornou-se mais difícil para as polícias e para o Ministério Público.
Pinto Monteiro diz que a prisão preventiva também está dificultada com estas alterações. Na sua opinião os magistrados carecem de especialização para lidar com esta mudança?
Quanto à prisão preventiva, penso que nos deveríamos preocupar antes com o tempo que demora até à conclusão do julgamento em 1.ª instância. O Ministério Público deveria, de facto, ter como preocupação verificar, à partida, se há mesmo necessidade de realização de inquérito ou se é possível enviar o detido para julgamento em processo sumário. Logo, há mesmo necessidade de alguma alteração nas concepções e no funcionamento do MP. E, em boa verdade, é mesmo necessário proceder também a alterações legislativas. Por enquanto, porque não usar mais a prestação de caução?
Há quem considere que tudo isto trouxe também sérios problemas de criminalidade grave ou organizada dentro de alguns anos. Corremos esse risco?
O mau funcionamento do sistema de Justiça, no seu todo e não apenas na jurisdição penal, potencia o desenvolvimento da criminalidade grave, seja ela organizada ou não. E não se trata de um risco. Esse problema já existe hoje, nós é que gostamos muito de tentar esconder o sol com a peneira. E, se calhar, os que assim agem estão a alcançar o resultado pretendido (ocultação do problema). No que respeita à criminalidade organizada, como qualquer actividade económica - o crime é mesmo uma realidade económica - ela está a sofisticar-se e as polícias e o MP não estão a acompanhar essa sofisticação. Estas alterações legislativas não têm em conta essa realidade e não tomam o sistema mais eficaz. E, por isso, só agravam a situação.
O Governo, devido ao aumento da criminalidade resolveu mudar a lei das Armas. Fez bem ou a alteração devia ter sido feita na Lei Geral?
Alterar a legislação «a quente» nunca dá bom resultado. Globalmente, a alteração foi positiva, mas eu preferiria que houvesse a coragem de olhar os problemas de frente e encontrar soluções gerais e não casuísticas. Como existem «culpas» por todo o lado, talvez seja uma boa altura para começar essa análise corajosa da realidade.
Que balanço é possível fazer nesta altura do campeonato em relação à mudança das leis penais?
Tendo antes afirmado que quem legisla, mas também quem aplica as leis, não teve, até hoje a coragem de olhar de frente para a situação real do País e do mundo, e que as mudanças legislativas não serviram para eliminar os bloqueios no funcionamento do sistema judiciário, tendo até criado novos problemas - sublinho a questão do segredo de justiça -, é óbvio que o meu balanço não pode ser positivo.
@ O Diabo
Agentes da Justiça tecem duras críticas aos CP e CPP e acusam.
Eurico Reis, juiz-desembargador - «Usar as vítimas para combater as alterações introduzidas no CPP é vergonhoso, porventura até ignóbil»
António Pires de Lima, ex-Bastonário da OA - «Num País que tem leis dimensionadas diferentemente, conforme os destinatários, o Estado de Direito desapareceu»
Menezes Leitão, advogado - «Não me parece que da reforma tenha resultado qualquer melhoria em relação aos direitos das vítimas»
HÁ uma excessiva protecção do arguido e está-se a esquecer as vítimas. A posição é defendida por vários agentes da Justiça. Desde o Ministério Público aos agentes das magistraturas judiciais. E a verdade é que a preocupação começa, de facto, a tomar contar das mais variadas figuras do sector.
Pinto Monteiro, Procurador-Geral da República, é um dos que não se cansa de falar sobre o assunto. Recentemente, num seminário do Grupo de Gestão Pública da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social-Sedes, voltou a criticar as novas leis penais e afirmou que o novo Código de Processo Penal dá «uma excessiva protecção ao arguido» e «dificulta» a prisão preventiva, admitindo que os magistrados carecem de especialização.
Na verdade a polémica persiste e há muito também que as forças policiais insistem no assunto. António Pires de Lima, ex-Bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Eurico Reis, juiz-desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa, e Menezes Leitão, advogado, analisam a polémica.
«Não vamos esperar anos, mas meses, quiçá semanas para assistir ao festim»
Pires de Lima, ex-Bastonário da OA, corrobora a opinião de Pinto Monteiro e considera que há uma excessiva protecção do arguido e está-se a esquecer as vítimas: «até é uma evidência!». «Talvez os próximos arguidos sejam os que se pretendem ver protegidos», ironiza.
Sublinha que «as alterações introduzidas no CPP na medida em que autorizam a presença a advogado em situações várias do processo vão ser positivas. No mais são o resultado de incontinência legislativa».
Sobre o repto lançado por Pinto Monteiro, Pires de Lima discordado Procurador e refere que «os magistrados não carecem de especialização, o legislador é que necessita dela».
Questionado sobre o facto de estas alterações penais terem provocado sérios problemas de criminalidade grave ou organizada dentro de alguns anos, o advogado responde: «não corremos riscos, estamos no fio da navalha. E não vamos esperar anos, mas meses, quiçá semanas para assistir ao festim». Já no que respeita à alteração à Lei das Armas, afirma: «só um legislador sem vergonha, apenas orientado por impositores políticos é que alterava o regime de prisão preventiva na Lei das Armas. E esta última, pelo seu conteúdo, é um incentivo à clandestinidade e ilegalidade dos possuidores de armas».
E, por fim, Pires de Lima conclui: «num País que tem leis dimensionadas diferentemente, conforme os destinatários, o Estado de Direito desapareceu».
«Sensação de impunidade grassa na sociedade»
Menezes Leitão, advogado, diz que «a tutela dos direitos das vítimas é assegurada pela eficácia da investigação e da acção penal, onde o arguido deve ter as devidas garantias de defesa». «O problema tem estado precisamente na sensação de impunidade que grassa na sociedade, e essa é devida ao deficiente funcionamento do sistema de Justiça», diz.
Refere que a reforma do Código de Processo Penal foi «uma reforma precipitada, realizada sem a ponderação adequada». «Não me parece que dela tenha resultado qualquer melhoria em relação aos direitos das vítimas», constata. Considera igualmente que o problema não passa pela falta de especialização dos magistrados, mas antes pelo facto de «a reforma ter tornado mais exigentes os pressupostos para a prisão preventiva, tendo os magistrados naturalmente que aplicar a nova lei». «Precisamente, por isso, o Governo resolveu mudar a Lei das Armas para facilitar a aplicação dessa medida de coacção, em caso de crimes cometidos com armas», afirma.
Menezes Leitão alerta ainda para o aumento da criminalidade organizada no nosso País ser «um problema seríssimo, com que iremos seguramente ser ainda mais confrontados no futuro». «Naturalmente que a sensação de impunidade acima referida é um factor que a potencia seriamente. Para a combater exige-se que os órgãos de polícia criminal disponham de estruturas adequadas e tenham os meios necessários para o efeito», argumenta. E garante que a mudança da Lei das Armas «é totalmente absurda e inadequada»: «as penas para os crimes contra as pessoas devem estar no Código Penal e os pressupostos da prisão preventiva no CPP. Colocar estas matérias num diploma avulso, absolutamente marginal, é extremamente grave em termos de unidade e coerência do nosso sistema jurídico. É ainda mais grave o facto de tal ter acontecido para que não fosse assumido o recuo a que o Governo procedeu nesta matéria».
Eurico Reis, juiz-desembargador, afirma «As vitimas foram e continuam a ser meros instrumentos nas mãos do MP»
O DIABO - «Há uma excessiva protecção do arguido e está-se a esquecer as vítimas». A frase é do Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro. Concorda?
EURICO REIS - Concordo. Todavia, como já venho dizendo há anos a esta parte, esse não é um problema novo. Desconheço os textos normativos anteriores ao Código de Processo Penal de 1929 e, por isso, só posso referir-me a esse Código, com o qual ainda trabalhei enquanto juiz com competência na área criminal. E com base nessa experiência, de muitos anos, o que posso referir é que as vítimas sempre estiveram desprotegidas, sempre foram esquecidas. As vítimas foram e continuam a ser meros instrumentos nas mãos do Ministério Público (MP), quando não apenas meros objectos de prova. E o problema não se resolverá enquanto não for assumido, na lei, nas consciências e na prática quotidiana, que as vítimas são partes autónomas, com interesses legítimos distintos dos da acusação pública. Há que alargar o elenco de casos em que é possível a constituição de assistente. Mesmo nos crimes públicos.
Na sua opinião as alterações introduzidas no CPP não servem para investigar e defender a vítima, como muitos têm defendido?
Mantenho o que antes referi. Acho que usar as vítimas para combater as alterações introduzidas no Código de Processo Penal é vergonhoso, porventura até ignóbil, já que, insisto, muitas dessas pessoas nunca se preocuparam com as vítimas. Quanto aos efeitos sobre a investigação, isso é verdade, para o bem e para o mal, a investigação de certo tipo de crimes tornou-se mais difícil para as polícias e para o Ministério Público.
Pinto Monteiro diz que a prisão preventiva também está dificultada com estas alterações. Na sua opinião os magistrados carecem de especialização para lidar com esta mudança?
Quanto à prisão preventiva, penso que nos deveríamos preocupar antes com o tempo que demora até à conclusão do julgamento em 1.ª instância. O Ministério Público deveria, de facto, ter como preocupação verificar, à partida, se há mesmo necessidade de realização de inquérito ou se é possível enviar o detido para julgamento em processo sumário. Logo, há mesmo necessidade de alguma alteração nas concepções e no funcionamento do MP. E, em boa verdade, é mesmo necessário proceder também a alterações legislativas. Por enquanto, porque não usar mais a prestação de caução?
Há quem considere que tudo isto trouxe também sérios problemas de criminalidade grave ou organizada dentro de alguns anos. Corremos esse risco?
O mau funcionamento do sistema de Justiça, no seu todo e não apenas na jurisdição penal, potencia o desenvolvimento da criminalidade grave, seja ela organizada ou não. E não se trata de um risco. Esse problema já existe hoje, nós é que gostamos muito de tentar esconder o sol com a peneira. E, se calhar, os que assim agem estão a alcançar o resultado pretendido (ocultação do problema). No que respeita à criminalidade organizada, como qualquer actividade económica - o crime é mesmo uma realidade económica - ela está a sofisticar-se e as polícias e o MP não estão a acompanhar essa sofisticação. Estas alterações legislativas não têm em conta essa realidade e não tomam o sistema mais eficaz. E, por isso, só agravam a situação.
O Governo, devido ao aumento da criminalidade resolveu mudar a lei das Armas. Fez bem ou a alteração devia ter sido feita na Lei Geral?
Alterar a legislação «a quente» nunca dá bom resultado. Globalmente, a alteração foi positiva, mas eu preferiria que houvesse a coragem de olhar os problemas de frente e encontrar soluções gerais e não casuísticas. Como existem «culpas» por todo o lado, talvez seja uma boa altura para começar essa análise corajosa da realidade.
Que balanço é possível fazer nesta altura do campeonato em relação à mudança das leis penais?
Tendo antes afirmado que quem legisla, mas também quem aplica as leis, não teve, até hoje a coragem de olhar de frente para a situação real do País e do mundo, e que as mudanças legislativas não serviram para eliminar os bloqueios no funcionamento do sistema judiciário, tendo até criado novos problemas - sublinho a questão do segredo de justiça -, é óbvio que o meu balanço não pode ser positivo.
@ O Diabo